Introdução
Logo após a iniciação na Maçonaria, muitos são os que tomam conhecimento das inúmeras Lojas Maçônicas que adotam o nome de Tiradentes como patrono, em suas diferentes formas: “Tiradentes”, “Alferes Tiradentes”, “Joaquim José da Silva Xavier”, dentre outras. De plano, surge a dúvida: são homenagens ao mártir da Independência ou Tiradentes teria sido maçom?
Com certa tristeza temos presenciado uma discussão pouco acadêmica acerca do assunto, mais próxima da paixão rancorosa, a qual, sem dúvida, conduz ao caminho certo para a perpetuação da dúvida. Alguns maçons historiadores, em seus livros e artigos publicados, já se excederam e, não raro, trocaram até ofensas públicas.
Nesse sentido, desenvolvemos o presente artigo, esperando que possa, com o auxílio do Grande Arquiteto do Universo, com base na pesquisa científica, longe de qualquer sectarismo, oferecer aos maçons e interessados a verdade, ou, se esta não for encontrada, que tenhamos contribuído para alargar os horizontes da cultura maçônica.
Breves dados pessoais de Tiradentes
Joaquim José da Silva Xavier nasceu em Minas Gerais, na Fazenda do Pombal, à margem direita do Rio das Mortes, entre a Vila de São José, hoje cidade de Tiradentes, e São João d’El Rey, tendo como pais, o português Domingos da Silva Santos e a brasileira Antônia da Encarnação Xavier, sendo o quarto filho entre seis a sete irmãos.
Foi batizado pelo padre João Gonçalves Chaves, na Capela de São Sebastião do Rio Abaixo, em 12 de novembro de 1746, tendo como padrinho o “Tiradentes” Sebastião Ferreira Leitão. O assentamento do seu batizado foi encontrado pelo historiador Augusto de Lima Júnior (1955), nos livros da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, na Vila de São João d’El Rey, o qual calculou a sua data de nascimento como 16 de agosto de 1746, já que não há notícias de seu registro de nascimento.
Aos nove anos de idade, ele residia em São João d’El Rey, em casa de parentes, quando sua mãe veio a falecer. Aos 15 anos perdeu seu pai, tendo então retornado a Pombal para trabalhar na lavoura, com o seu padrinho, que também lhe ensinou o então raro ofício de “por e tirar dentes”.
Na idade adulta foi mascate em Minas Novas, antes de entrar para a Companhia dos Dragões de Villa Rica, sede da Capitania das Minas Gerais, atual Ouro Preto. Foi então promovido de Comandante de Patrulha a Alferes em março de 1775 e, no ano seguinte, destacado para a 6ª Companhia do recém criado Regimento de Cavalaria Regular de Minas Gerais, sediado em Villa Rica.
Em dezembro de 1781 esteve no Rio de Janeiro, sendo nomeado para o cargo de Comandante do Destacamento do Caminho do Rio, com a finalidade de vigiar a estrada da Mantiqueira, dar proteção aos viajantes e reprimir o contrabando de ouro e diamantes.
O Alferes Xavier, como era conhecido na época, não foi promovido a oficial em face da sua pouca instrução, por manter a atividade de “arrancador de dentes” e ter a “língua solta” e, finalmente, após ter sido destituído do cargo de Comandante do Destacamento do Caminho do Rio, começou a falar mal, abertamente, do governo português.
Em maio de 1786 retirou da casa dos pais a menor Antônia Maria do Espírito Santo, que, em fevereiro de 1787, deu a luz a uma menina. No mês imediato, o Alferes abandona a companheira, que tinha à época 16 anos de idade, e viaja para o Rio de Janeiro, licenciando-se da Tropa, permanecendo lá por um ano, para tentar uma nova sorte, porém, sem êxito.
No ano seguinte, 1788, ainda no Rio de Janeiro, conheceu o engenheiro de minas, José Alvares Maciel Filho, cunhado do capitão-mor de Villa Rica, e Domingos José Barbosa, recém formados em Coimbra, Portugal.
Em agosto do mesmo ano, o Tiradentes retornou para Villa Rica, encontrando o povo em profunda inquietação, pois, em 18 de julho, o Visconde de Barbacena, governador da Capitania das Minas Gerais, anunciara a cobrança, com rigor, do débito da derrama.
Juntou-se, então, ao grupo formado pelas seguintes personalidades da região: tenente coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante do Alferes; José Alvares Maciel Filho; vigário e latifundiário Carlos Correia de Toledo e Mello; Inácio José de Alvarenga Peixoto; padres José da Silva e Oliveira Rolim; cônego Luiz Vieira da Silva; poeta Cláudio Manoel da Costa; e outros militares, fazendeiros e negociantes, que já conspiravam contra a Coroa Portuguesa.
Outras imposições do governo português também traziam grande descontentamento à população: exigência de que todos deveriam trabalhar nas minas de ouro; proibição de instalação de engenhos na região das minas; exclusividade na retirada do sal para poucos comerciantes; fechamento das fábricas de tecido, para que todos fossem obrigados a comprar tecidos fabricados em Portugal; proibição do uso das estradas para o interior, por receio do contrabando de ouro. Tais medidas, aliadas ao anúncio da derrama, trouxeram forte descontentamento junto à classe dominante da região, principalmente os endividados, caso também de Tiradentes.
O clube inicialmente era conhecido como o Arcádia Ultramarina. Segundo Monteiro (1961), o clube foi fundado com a finalidade de sublevar a população a não pagar a derrama, as côngruas e o quinto sobre o ouro minerado. Discutia-se, também, a proclamação de um território independente de Portugal.
O lema da bandeira do Clube dos Poetas foi proposto por Cláudio Manoel da Costa, verso de Virgílio: “Libertas Quae Sera Tamem”, Liberdade, Ainda que Tardia.
O Coronel Joaquim Silvério dos Reis, que ouvira inconfidências de Tiradentes, denunciou a insurreição que se planejava ao Visconde de Barbacena, que imediatamente suspendeu a derrama, uma vez que o movimento armado iria ter início no dia da cobrança dos impostos atrasados. Deu-se início à devassa da Inconfidência Mineira ou Conjuração Mineira, com a prisão de seus líderes.
Dias antes, Tiradentes, que tinha a incumbência de divulgar o movimento, viajara para o Rio de Janeiro, com a finalidade de angariar fundos para a empreitada, vindo a ser preso no dia 12 de maio de 1789, na rua dos Latoeiros, hoje denominada rua Gonçalves Dias, sem oferecer maior resistência.
Tiradentes não negou sua participação no movimento, denominado de “Inconfidência Mineira”. Os demais envolvidos abjuraram e a Rainha Dona Maria I de Portugal, no dia 20 de abril de 1792, comutou as suas penas de morte para o degredo perpétuo, deportando-os para a África. Já os religiosos tiveram processos à parte e, após condenados, foram enviados a Portugal. Enquanto que Cláudio Manoel da Costa, que se defendera em cartas, acusando os companheiros da conspiração, suicidou-se na prisão.
Tiradentes foi enforcado às 11 horas do dia 21 de abril de 1792, três anos após sua prisão. Foi então esquartejado, sendo que a cabeça foi para Villa Rica e os seus membros foram fincados em postes na estrada entre Minas e Rio de Janeiro. A casa dele foi destruída e sobre a terra foi jogado sal.
A suposta iniciação de Tiradentes
A Universidade de Coimbra era o berço das ideias liberais, onde os filhos de brasileiros ilustres, ricos e poderosos estudavam, constando que Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Inácio Alvarenga Peixoto foram iniciados na Maçonaria naquela cidade, enquanto estudantes, embora haja quem afirme que Cláudio Manoel da costa não era maçom.
Naquela época, o absolutismo e o sistema colonial europeu estavam em crise, os ideais de liberdade e princípios liberais estavam aguçados entre os universitários, em face da recente guerra da independência americana (1776) e a Revolução Francesa (1789). Alguns autores afirmam que José Alvares Maciel Filho também teria sido iniciado na Maçonaria, em Coimbra, com 28 anos de idade, tendo chegado a Villa Rica no segundo semestre de 1788.
No tocante à probabilidade da iniciação de Tiradentes na Maçonaria ou à sua vida de maçom, não existe qualquer registro e, nos sete volumes dos Autos Devassa da Inconfidência Mineira, publicados pela Biblioteca Nacional (1936), não há qualquer referência à iniciação de Tiradentes ou sua condição de maçom.
Por outro lado, o estudioso maçom José Castellani, em artigos publicados na revista “A Verdade”, números 298 e 300, abril e junho de 1992, afirmou que “profanos e principalmente maçons irresponsáveis inventaram, não apenas sobre o Tiradentes, mas de modo geral tudo quanto é fato maçônico”.
O autor Joaquim Felício dos Santos (1868), no livro “Memórias do Distrito de Diamantino da Comarca do Serro Frio”, afirmou que “os conjurados eram todos iniciados na Maçonaria, introduzida por Tiradentes, quando por aqui passou, vindo da Bahia, para Villa Rica” e mais “quando Tiradentes foi removido da Bahia, trazia instruções secretas da Maçonaria para os patriotas de Minas Gerais”.
Marcelo Linhares (1988), no seu livro “A Maçonaria e a Questão Religiosa do Segundo Império”, escreveu que “de Tiradentes se diz haver iniciado na Bahia, quando em seus primeiros tempos de vida profissional mascateou no eixo Minas-Bahia”. Mas, demonstrando não ter muita convicção, afirmou que “o certo é que a Maçonaria brasileira dos séculos XVIII e XIX era essencialmente política”.
Porém, tais afirmações encontram forte oposição, no fato de que a primeira Loja Maçônica brasileira que se tem registro surgiu em Recife, Pernambuco, apenas em 1796, por iniciativa do botânico Manuel de Arruda Câmara, após chegar da Europa, e denominava-se Areópago de Itambé. Há autores que afirmam que não se tratava de uma Loja Maçônica, mas de outra sociedade secreta, nos moldes da Maçonaria, e integrada por maçons e não maçons.
Tiradentes, como se sabe, morreu no dia 21 de abril de 1792, quando ainda não existia Loja Maçônica regular no Brasil. Tiradentes jamais esteve em Salvador, Bahia, onde há a teoria da primeira Loja Maçônica naquele território, fundada em 14 de julho de 1797, na Barra, a qual denominava-se “Cavaleiros da Luz”, fato que também não encontra unanimidade. Também é sabido que não existia estrada para os 1800 quilômetros que separam Salvador de Villa Rica.
Portanto, meu entender é de que Tiradentes não poderia ter sido iniciado na Maçonaria na Bahia enquanto mascateava ao norte de Minas, por volta de 1774, uma vez que esta ainda não existia. A propósito, José Castellani, em “Os Maçons na Independência do Brasil” (1993, p. 20- 21), é taxativo ao afirmar:
“Muito já se falou e muito já se escreveu sobre a participação maçônica na independência do Brasil.
De confiável, todavia, muito pouco. Como geralmente acontece, quando autores maçons tratam da História, entra em jogo o ufanismo, a parcialidade, a tendência, que os leva a exagerar os feitos maçônicos e as virtudes dos maçons envolvidos, ocultando ou escamoteando os defeitos e dourando a pílula, quando o seu aspecto não é muito recomendável.
Isso acabou criando uma História distorcida, inventada e maquinada, que viria a influenciar algumas gerações de maçons, que passaram a repetir balelas, as quais, com tanta repetição, quase chegaram a ter foros de verdade – uma mentira repetida muitas vezes, acaba sendo considerada uma verdade – fazendo com que a historiografia maçônica nacional chegasse a ser motivo de descrédito, de desconsideração e até de chacota, para a comunidade universitária brasileira e para as instituições ligadas à História e que tratam com a seriedade que ela merece e não com o despojamento de certos autores maçons.”
Mais adiante (p. 25), foi contundente ao tratar especificamente de Tiradentes:
“Existem, todavia, autores, que, aproveitando um período nebuloso e de grande carência de registros históricos, falam da existência de Lojas, principalmente na Bahia, nos meados do século XVIII, o que, por falta de qualquer prova documental, é uma afirmação tão temerária quanto aquela dos que apontam os conjurados mineiros, principalmente o Tiradentes, como Maçons, sem que haja qualquer apoio histórico documental para tal afirmação.“
Não se pode negar que há indícios de que maçons se envolveram na Inconfidência Mineira e em outros acontecimentos históricos que se sucederam. Gustavo Barroso (1990), historiador pátrio dos mais afamados, afirmou que “a Maçonaria estava envolvida na Conjuração Mineira”. Ele só não disse como e por quais representantes.
Outro historiador, Pedro Calmon (2002) afirmou que maçons participaram da Inconfidência Mineira, da Independência, da Abolição da Escravatura e da Proclamação da República. Porém, não citou Tiradentes como maçom.
Já Lima Júnior (1955, p.136-137) afirma que: “Iniciado na Maçonaria, tomava parte nas reuniões desta, no Rio de Janeiro e pregava suas doutrinas onde quer que se encontrasse” e também confirma que “…depois de ouvir minucioso relatório do alferes Joaquim José, que regressara do Rio de Janeiro onde mantivera contatos decisivos com os confrades das Lojas Maçônicas, e que lá dirigiam o movimento da insurreição…”. No entanto, nos idos de 1788/89, não existia Loja Maçônica no Rio de Janeiro, o que torna temerá- ria tal afirmação, sendo que a primeira só veio a ser fundada naquele Oriente em 1801, denominada Loja Maçônica Reunião, filiada ao Grande Oriente de França, segundo o manifesto do Grão-Mestre José Bonifácio de Andrada, publicado em 1832 (BUCHAUL, 2011).
Ainda, José Castellani, em “Os Maçons da Independência”, relaciona a fundação das primeira Lojas Maçônica no Brasil:
“Resumindo: os primeiros tempos da Maçonaria brasileira, até a fundação do Gr. O., seguem aproximadamente – já que a época é nebulosa, do ponto de vista documental – a seguinte cronologia dos principais fatos:
1796 – Fundação, em Pernambuco, do “Areópago de Itambé”, que não era uma verdadeira Loja, pois, embora criado sob inspiração maçônica, não era totalmente composto por Maçons;
1801 – Criação, em Niterói, da Loja “União”;
1801 – Instalação da Loja “Reunião”, sucessora da “União”;
1802 – Criação, na Bahia, da Loja “Virtude e Razão”;
1804 – Fundação das Lojas “Constância” e “Filantropia”;
1806 – Fechamento, pela ação do Conde dos Arcos, das Lojas “Constância” e “Filantropia”;
1807 – Criação da Loja “Virtude e Razão Restaurada”, sucessora da Loja “Virtude e Razão”;
1809 – Fundação, em Pernambuco, da Loja “Regeneração”.
Mário Verçosa (1985), em seu livro “Registros Maçônicos”, acrescenta a Loja “Cavaleiros da Luz”, em Salvador, Barra, como fundada em 1797, filiada ao Grande Oriente de França.
Em 1955, Tenório d’Albuquerque, baseado na afirmação de Canêco Amassado, começou a escrever seguidamente sobre Tiradentes-Maçom, passando a surgirem daí inúmeras Lojas Tiradentes, com a adoção do mártir da Inconfidência Mineira, como mártir maçom-brasileiro. Para se comprovar tal afirmativa, basta levantar em cada Oriente a data de fundação das Lojas Tiradentes.
Para Kurt Prober (1984), Tenório d’Albuquerque criou o que chamou de “Herói Maçom”, denominando de “fábula Tiradentes-Maçom” tudo que se refere a sua vida maçônica. Para alguns, a assinatura de Tiradentes é uma prova da sua condição de maçom. Kurt Prober contradiz, afirmando que a mesma possui cinco pontos: o primeiro está depois da abreviação de Joaquim; o segundo é solto, depois de J, de José; o terceiro está abaixo da letra A, da abreviatura AS, de Silva; o quarto está ao lado de X, de Xer, Xavier abreviado; e o quinto, no fim do nome, como ponto final.
Os três pontos, que acompanham as assinaturas dos maçons, foram utilizados pela primeira vez num documento maçônico, no Grande Oriente de França, em 1774 (RAGON, 2006). No Brasil, somente após 1815 e, com certeza, em 1822.
José Carlos Gentil (19–), atual Presidente da Academia de Letras de Brasília, ao publicar um opúsculo intitulado “Tiradentes e a Maçonaria”, apresenta-se como um ferrenho defensor da tese de que Tiradentes era um maçom iniciado, chegando ao despropósito de afirmar: “Ora, pretender negar que Tiradentes tenha sido Maçom constitui-se pelo menos numa irracionalidade, porquanto as evidências traduzem o contrário”.
Naturalmente, Gentil deixou-se levar pelo entusiasmo, ao taxar de irracionais aqueles que não se contentam com as evidências que esposa, já que usa a expressão evidência como uma certeza. A verdade, principalmente a verdade que busca a Maçonaria, vai mais além. Se há dúvida, desaparece a certeza, de verdade ou de falsidade. Afinal, temos uma longa escada a galgar. Evidências por evidências, de verdade ou de falsidade, as contrárias à tese Tiradentes-Maçom são mais consistentes e mais racionais, contradizendo o modo de entender o último autor referido.
Considerações Finais
Essa indagação, se Tiradentes era maçom iniciado, permanecerá ad eternum, enquanto a própria Maçonaria, como instituição, não tomar a iniciativa de buscar a resposta, o que tem sido feito até hoje, exclusivamente, por maçons estudiosos e preocupados com a história da Maçonaria brasileira.
Sugere-se a designação, pelos órgãos ma- çônicos competentes, de um grupo de trabalho, constituído por historiadores, maçons e profanos, para num prazo compatível com a importância e a complexidade do tema, buscar e oferecer a verdade que todos nós almejamos. Ou, quem sabe, instituir-se um prêmio relevante dentro de um concurso aberto a professores e pesquisadores de todos o país, abordando-se a questão. Só a análise de fatos históricos, ainda que de difícil catalogação, será capaz de trazer a verdade ou dela se aproximar.
Marco Antônio de Moraes
Marco Antônio é professor e advogado aposentado. Mestre Instalado, MRA, 33º do REAA, membro das Lojas Maçônicas Atlântida No. 06 e Abrigo do Cedro No. 08, ambas da GLMDF.
Fonte: Revista Ciência e Maçonaria