Só as mães são felizes?
O instinto é forte e se faz presente em todas as espécies. Na nossa, ele está no meio de tudo o que fazemos e nos move, muito mais do que gostaríamos de acreditar. O instinto maternal é tão forte em todas as fêmeas que elas podem produzir leite ao se deparar com um filhote abandonado. E ocorre nas humanas também. Algumas pessoas gostam de assegurar que quem nunca foi mãe não sabe o que é isso, como se a mulher que quiser experimentar o instinto materno tenha que passar por todo o processo e somente assim “saberá” o que é ser mãe. Todas as mulheres possuem instinto materno e o demonstram em todas as suas tarefas, vocações, cuidados e sentimentos para com o próximo. Uma mulher que nunca teve um filho ou mesmo uma menina é capaz de sonhar com pormenores de uma criança e nestes sonhos, mesmo que nem queira ser mãe, saberá a maneira correta de pegar o pequenino no colo. As pessoas afirmam tais coisas porque o fato de uma mulher decidir tacitamente não ter filhos incomoda os seus inconscientes já perturbados por diversos preconceitos. O não ter filhos geralmente é uma escolha baseada na razão e no amor. A mulher fez sua escolha e sabe que vai dedicar sua vida a outros projetos. Sim. Ter filhos é um projeto e requer muito planejamento. Ser mãe já é uma escolha inevitável. A partir do momento da escolha, quem é mãe nunca mais deixará de ser. Não poderá pensar: “hoje não”. As experiências que tive com pessoas que têm filhos são um tanto curiosas. A ambivalência, o arrependimento e essa convulsão ao encontrar alguém que afirma publicamente “eu não quero ter filhos” é algo corrente. Por outro lado, vi mulheres sem filhos, com o mesmo brilho no olhar que muitas mães possuem. Com a mesma intuição (intuição de mãe) que minha mãe possui, por exemplo. E o que podemos observar disso é que estas mulheres investem seu “cuidado maternal” adotando crianças, adotando animais, ensinando, cuidando e viabilizando um mundo melhor. É aquela corajosa que leva para sua casa o cavalo que estava quase morto no asfalto, com a pata quebrada, o olho meio vazado. É aquele cara (o instinto paterno!) que vai atrás de reuniões cansativas, políticas, pelos animais e por quem necessita de amparo. Por um mundo mais humanitário, ele se importa e trabalha para isto. Ele faz a diferença e não é apenas mais um na multidão. São aquelas senhoras que pegam os gatinhos e os cachorrinhos que mais ninguém quer. Sim, a sociedade os têm como mercadoria e os descarta na porta dos outros. A mesma sociedade que só lembra das mães no dia das mães. E estas mães (com filhos ou sem filhos, meninas ou mulheres) os levam para casa no estado em que se encontram. Não têm nojo, dão mamadeira e vibram quando fazem o primeiro cocô. Quem pode afirmar que só engravidando e esperando nove meses mais o resto da vida, somente assim poderemos experimentar nossos instintos? Se animais de raças diferentes adotam uns aos outros, até mesmo meu bichano (chamado Tigre) já adotou filhotes… É muito fácil dizer para a mulher que não terá filhos que ela não sabe o que está perdendo. E vocês, que dizem isto, por acaso sabem mesmo o que estão falando? Diversas transformações ocorrem no corpo e na psique de quem vai ter um filho. Isto já foi explorado ao extremo e algumas coisas até hoje permanecem misteriosas para a medicina. Entretanto, o não ter também transforma a vida de quem tomou tal decisão, que é baseada no amor tanto quanto a decisão de ter um filho. Do mesmo modo, através de uma negação, o sujeito vegano abre mão de não usar/consumir produtos de origem animal. Através de sua negação, ele mostra que verdadeiramente respeita os animais. A mulher pode decidir não ter filhos por diversas razões, até mesmo por não gostar de crianças ou por achar que nenhum homem é merecedor de seus óvulos. Razões e emoções à parte, o fato é que este instinto está dentro dela de modo inexorável e comum a todas as fêmeas do planeta. Estamos livres para escolher, pois não precisamos mais dar satisfação à sociedade. Não vamos ser consideradas “meias mulheres” até mesmo porque a ciência já evoluiu o bastante para o caso de mudarmos de idéia. Hoje se pode ter filhos até depois dos quarenta, segundo ginecologistas. Portanto, todos podem ser felizes e a felicidade está nas escolhas que fazemos. Podemos abraçar nossas mães, agradecer aos nossos pais e mães que nos deram a vida e seguir em frente, neste planeta super-habitado. É nossa obrigação de terráqueos fazer o mínimo para tornar este lugar acessível aos que virão, pelos que já estão aqui e por nós mesmos. A todas as pessoas que defendem seus instintos com vigor, minha admiração! ______________ * Título baseado na música de Frejat / Cazuza: “Só as mães são felizes”. Fonte: ANDA (texto publicado originalmente em 18/05/2009) * Ellen Augusta Valer de Freitas Fundadora da Vanguarda Abolicionista, revisora, produtora de conteúdo Web, blogueira, vegana, feminista, defensora dos direitos humanos, ateia, escritora, poeta, colaboradora em ONG e licenciada em Biologia.
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