Sem voltas
Há quem diga que, para saber chegar a algum lugar, é importante ter uma mínima ideia do caminho de volta antes mesmo de começar a jornada. Se é verdade, não se sabe, mas o ser humano é assim: implacável na arte de afirmar coisas para que os outros sigam e encarem como verdade absoluta.
Voltar pode ser um movimento bom e desejado como o do soldado que retorna da guerra. Mas também pode ser traiçoeiro e difícil, principalmente se o lugar de onde você partiu não era um bom cenário para estar. Regressar a um trabalho onde você se sente oprimido, a uma família em ruínas emocionais, pode ser pesado ao ponto de querer fazer você desistir do movimento.
Um dos grandes mistérios sobre o ser humano é que nem sempre voltamos para o que nos faz feliz. Retornamos, muitas vezes, cegos ou por memória fraca, porque não temos coragem de ir a nenhum outro lugar melhor. Talvez, para tomar um fôlego e seguir em frente. Ou para fingir que estamos resgatando as baterias onde não é mais porto seguro há muito tempo.
É por essa razão que voltar exige um pouco de fé no desconhecido. Temos mania de retornar para aquilo que conhecemos, ainda que seja algo que não nos faça bem. Voltamos para as coisas com as quais achamos que conseguimos lidar, mesmo que isso só nos traga infelicidades.
Quando voltamos de viagem, sempre trazemos novas bagagens: coisas que vimos, vivenciamos e páginas que adicionamos à nossa história. Podem ser mudanças singelas ou transformações gigantescas, mas, de qualquer forma, quando você chegar precisará abrir as malas e encarar se a nova versão que trouxe lá de fora simplesmente suporta ou pertence verdadeiramente àquele lugar desconhecido. Afinal, tudo pode mudar bastante enquanto estamos ausentes, comprovando as voltas que o mundo dá. A vida faz isso para nos dar a possibilidade de escolher entre desistir e investir naquilo que ficou. Simples assim.
"Retornamos, muitas vezes, cegos ou por memória fraca, porque não temos coragem de ir a nenhum outro lugar melhor".
Ao final do dia, duas voltas na chave foram o suficiente para trancar a porta do apartamento. Agora, não é mais possível enxergar o lugar de onde se partiu. Resta apenas a lembrança que manchou a retina e se cristalizou como mais uma memória. Ele respirou profundamente de olhos fechados. Quis chorar, mas era de alegria. Estava só e sentiu paz. Estar de volta a si mesmo por escolha é, sem dúvida, a sensação mais reconfortante de toda a viagem - é quando retornarmos de toda a viagem - é quando retornarmos para onde realmente podemos chamar de lar.
* Thaís de Ferrand
Escreve toda sexta-feira no Jornal "Notícias do Dia".