Processo de Envelhecimento Psicológico

Durante várias décadas, o desenvolvimento psicológico foi considerado como semelhante ao desenvolvimento biológico; isto é, compreendido como processos e períodos sucessivos de crescimento, culminância e declínio. Dessa forma, a velhice era encarada como período involutivo, marcado exclusivamente por perdas e degradação. 



Considerando ser a aposentadoria um evento que abre espaço para a discussão de questões relacionadas à velhice, este tema (Processo de Envelhecimento Psicológico) vem oferecer condições para uma reflexão crítica acerca desse processo e de aspectos psicológicos da aposentadoria. 



Partindo da visão do envelhecimento psicológico semelhante ao biológico, nos deparamos com algumas raízes do preconceito em relação ao idoso. À velhice, associam-se a decrepitude, dependência, doença, isolamento, inatividade e sofrimento. Essas associações são feitas como se estas características fossem universais e irreversíveis nesta etapa de vida. 

E quando a reflexão se volta para a aposentadoria, constatam-se vários sentimentos e emoções bem semelhantes, contraditórios e ambíguos, uma vez que é um momento de vida extremamente complexo, mobilizador e marcante. 

São comuns as manifestações de alegria, júbilo, vitória, "missão cumprida", "topo da montanha" e outras de natureza semelhante. Todavia, surgem outras como o medo do desconhecido, da ociosidade, da perda do status, do isolamento, da perda do contato com amigos, do preconceito, da discriminação e da inutilidade. 

Tais sentimentos e reações encontram alguma explicação quando analisamos a origem da palavra APOSENTAR: "dar aposento a, pôr de lado, pôr à parte". Aposento é definido como "quarto de dormir". Não é de se estranhar, portanto, que as pessoas que se encontram nesta fase da vida se sintam como peças descartadas, depois de contribuírem, durante tantos anos, com sua força de trabalho e dedicação.



Indignada com esta forma de encarar e definir a aposentadoria, a poetisa Lena de Jesus Ponte propõe, num poema, a criação do termo APOSSENTAR, no sentido de "tomar posse de si". Tomar posse de seus sonhos, de seus desejos, de seu poder de gerir a própria vida, não mais sob a tutela de família, da escola, da empresa, da sociedade. 

"Apossentar-se" poderia então significar abrir-se para vários questionamentos, indagações e revisão de certos padrões de atitude e comportamento diante da vida. 



O processo de envelhecimento psicológico que, atualmente, é visto de forma distinta do envelhecimento biológico, permite que, mesmo em idade avançada, os indivíduos consigam manter sua capacidade funcional, desenvolver atividades de relevância tanto para si próprios como para a sociedade. Fatores ambientais, hereditários, psicossociais e culturais exercem, certamente, forte influência sobre estas conquistas; entretanto, já se considera um grande avanço a derrubada do mito da universalidade e irreversibilidade do declínio no envelhecer psicológico. 



Obviamente, não se pode deixar de considerar alguns aspectos que representam mudanças esperadas e condizentes com o envelhecimento natural. Uma delas é a diminuição da plasticidade comportamental, que pode ser definida como a possibilidade de mudar para adaptar-se ao meio, através de novas aprendizagens. 

Outro exemplo é a diminuição da resiliência, definida como a capacidade de reagir e de recuperar-se dos efeitos da exposição a eventos estressantes, como doenças, traumas físicos e psicológicos, perdas de entes queridos e outros. 

Mesmo sob estas condições, advindas do envelhecimento natural, observam-se pessoas que empreendem ações em suas próprias vidas que funcionam como suporte para minimizar os efeitos nocivos deste processo. Estas ações referem-se à busca do trabalho comunitário, da atuação como voluntários em atividades sociais e do envolvimento constante com outras gerações, no sentido de firmar sua própria importância na transmissão de valores morais e éticos, valioso legado para jovens e sociedade de um modo geral. 

Estas oportunidades de reflexão, de forma coletiva, são preciosas para que se observem determinadas questões que lhe parecem ser somente suas. Necessitam exercitar um instrumento poderoso que possuem e que, frequentemente, o subutilizam. Trata-se da PARTICIPAÇÃO. 

O tempo para essa participação, geralmente, ao longo dos anos, foi sendo absorvido e destinado a atividades profissionais e é chegado o momento de compreender qual o grau de seu investimento no papel profissional e qual a importância deste papel na construção de sua identidade pessoal. 

A identidade pessoal tem, desde o início, um componente social. O indivíduo apreende os papéis sociais que desempenha e os organiza segundo suas necessidades, motivações e sua capacidade de lidar com os conflitos que possam surgir. 

Através do processo de socialização, os papéis sociais penetram na personalidade do sujeito, tornando-se parte de sua identidade. 



Nas sociedades industriais, observa-se uma importância particular dos papéis profissionais em relação aos demais. O papel profissional determina de certo modo suas relações sociais, de poder e até mesmo suas relações com o tempo livre. 

Assim, procura-se analisar a aposentadoria a partir da influência que ela pode ter na identidade pessoal, como conseqüência da modificação nas relações instituídas entre o indivíduo e o sistema social. Se ele vê o trabalho como um fim em si mesmo, a aposentadoria pode levá-lo a confundir sua identidade com seu papel profissional e a vivência da velhice se tornar mais penosa. 

Ele terá de refazer sua identidade, interiorizar novos papéis, procurar novos objetivos para sua vida. No momento em que é obrigado a se desfazer do seu papel profissional, ele deverá dar início a um processo de reestruturação de sua identidade. 



Apesar das pressões sociais, os indivíduos investem de forma distinta no seu papel profissional. Há aqueles para quem o trabalho é a principal atividade em sua vida e aqueles para quem o trabalho representa uma das fontes de sentido da vida e engajamento social. Estes terão outras atividades de investimentos sobre as quais poderão se apoiar para redefinir sua identidade. 



Paralelamente a todos esses acontecimentos, o indivíduo pode se deparar com questionamentos acerca de sua sexualidade, de sua capacidade de continuar atraindo e de ser atraído, medo da impotência (no homem) e da diminuição da libido (na mulher). 



As alterações na sexualidade, por ocasião da velhice, não estão diretamente relacionadas à idade, mas sim a diversos fatores como vivência de sexualidade nas etapas anteriores, valores culturais, morais, éticos, religiosos e sociais. Mesmo os distúrbios orgânicos, que poderiam limitar tal atividade, já encontram, na medicina atual, tratamento bem-sucedido. 

Individualmente, a iniciativa pode se dar pelo esforço para derrubar os mitos e tabus existentes nesta área do comportamento humano.

Questionando ideias preconcebidas, discutindo-as em grupo, com o parceiro, buscando esgotar as possibilidades de satisfação que a relação íntima entre dois seres pode trazer, o idoso tem chances de dar continuidade ao seu desenvolvimento sexual até a morte. 

Este aspecto na vida do ser humano está vinculado também, é claro, à sua auto-estima, e ao seu desejo de dar prosseguimento a todos os seus projetos de vida. 

A velhice é a última etapa da vida, mas pode e precisa ser vivida com intensidade. Um psiquiatra austríaco, Adler, autor do livro "Sentido da Vida" (1930) fala dos seus 20 melhores anos como sendo os últimos. Declarou isto aos 80 anos, afirmando ter sido a fase dos 60 aos 80 anos a que viveu com mais prazer, mais realizações e sentimento de plenitude. 



Quando mantém presente em sua existência uma meta, um alvo, um objetivo, o idoso pode prolongar o desfrutar do sabor da vida. A partir do momento em que se pode fazer maior uso da liberdade e do tempo, pode-se alçar voos muito mais altos e criativos, livre para buscar o aperfeiçoamento, o autodesenvolvimento e o contínuo aprendizado. 

Cecília Meireles fala "hoje desaprendo o que tinha aprendido até ontem e que amanhã recomeçarei a aprender". Este desenvolvimento constante levará, certamente, ao resgate de sua importância como pessoa, independentemente do que foi seu papel profissional, status, cargo ou posição sócio-financeira. 

E como toda conquista requer coragem e ousadia, é compreensível que também aqui o idoso seja estimulado a romper com o comodismo, com as desculpas que encontra para si mesmo, procurando avançar nos limites que lhe foram impostos e que ele introjetou. O soneto de Lena de Jesus Ponte vem ilustrar e enriquecer estas colocações. 


SONETO DA LIBERTAÇÃO 

Cada dia que passa, mais eu "desafino 
O coro dos contentes", dos alienados. 
Não hei de colocar em fôrmas meu destino, 
Não desejo normas, caminhos já traçados. 

No lugar da razão, eu ponho o desatino 
De um viver sem controle, sempre apaixonado. 
Mais rico o improviso do jazz que qualquer hino. 
Prefiro um não real a um sim bem-educado. 

Calma seria a cama feita, a mesa posta, 
Faca e queijo na mão, na boca uma resposta 
Que calasse no peito a dúvida e o conflito; 

Porém, em vez da aceitação, me explode o grito. 
A única verdade em que ainda acredito: 
Ser tudo um desafio e a vida uma proposta.

 




Finalmente, envelhecer pode representar, antes de tudo, momento de muita poesia no papel e na vida. O corpo seu verso, a alma sua rima. Momento de olhar tolerante o mundo e escrever a crônica de seus habitantes. Momento de fabricar novos sonhos e persegui-los, só que agora, sereno. Momento de plantio e de colheita...

Rosana Mafra da Gama


Psicóloga com especialização em Gerontologia.