Por que nós nos negamos a receber o amor?
Por que nós nos negamos a receber o amor? E quando uso o termo amor, me refiro a qualquer tipo de amor: eros, philia ou ágape. Falo desde o amor carnal, paixão, pele, suor, até um gesto de bondade que fazemos a um desconhecido, passando pelas amizades e parcerias amorosas de longa data.
Por que, muitas vezes, preferimos pagar por um serviço a recebê-lo como um favor? Por que, muitas vezes, optamos por parceiros que não nos amam tanto assim ou por amigos sociais em vez de amigos de verdade? Por que, muitas pessoas escolhem manter tudo no nível da epiderme?
Como diria o escritor André Cantu no conto Capim cheiroso: “amar dói e vicia”. Mais do que doer e viciar, o amor nos desconcerta. E quanto mais gratuito for o gesto de gentileza, mais ele nos insulta, fazendo um mix entre os pensamentos do professor Clóvis de Barros Filho e do psicanalista Jorge Forbes.
O primeiro defende a gratuidade da gentileza. O segundo, o insulto do elogio. Receber amor nos incomoda porque quem oferece o amor ganha o protagonismo. Mais do que isso: diante de um acordo comercial, um serviço prestado mediante pagamento em dinheiro ou algum tipo de favor, os termos são bem estabelecidos e ninguém se sente em desvantagem.
Diante da gratuidade do amor alheio, ficamos indefesos porque amor só pode ser retribuído com amor. E mais do que doer e viciar e desconcertar, o amor exige de nós que sejamos um pouco melhores do que somos, ele nos rouba do comodismo da zona de conforto. Ele nos faz nos depararmos com a nossa própria ausência e silêncio. Como diria Lacan, “amar é dar o que não se tem para quem não pediu”.
Sílvia Marques
é doutora em Comunicação e Semiótica, psicanalista lacaniana, escritora e atriz.
Entre em contato com autora: silviamarques@psicanalistasilviamarques.com