Platão e a política brasileira

Falta imensa faz aos políticos e assessores, especialmente os que cuidam da comunicação, a leitura de Platão. Mais, especialmente aquela parte dos Diálogos que trata do Político. É um texto árduo, de difícil interpretação, mas lúcido, atual, enriquecedor, sobretudo para aqueles que pensam em transitar da baixa política, voltada exclusivamente para o interesse pessoal, para a alta política, orientada para o interesse coletivo. O bem-estar e o saber público.

Platão ( 428/427-347 a.C) entendia das ciladas e labirintos do exercício da política. Foi uma das suas grandes paixões ao lado da poesia e, evidentemente, da filosofia. 

Nascido em família aristocrática de Atenas, foi o que hoje se poderia chamar de consultor do tirano Dionísio Velho e por duas vezes aconselhou seu sucessor, Dionísio Jovem, ambos de Siracusa (atual Sicília). Ao todo, três viagens. Na primeira, acabou sendo vendido como escravo por ordem do tirano Dionísio Velho (salvou-se porque amigos pagaram o resgate), na última, viu-se obrigado a fugir por ter se envolvido nas lutas políticas locais. Em todas as tentativas, não teve êxito em levar à prática suas ideias sobre a concórdia social, a justiça e a busca do saber.

Mas, o que efetivamente importa são os seus ensinamentos. 

A ideia do rei-filósofo ou o estadista, educado na filosofia, capaz de levar o mundo das ideias para a realidade prática, dedicado a utilizar a inteligência para dar ordem às coisas. Criar uma cidade que abrigue a todos e a todos proporcione a felicidade. 

No Político, Platão fala de um tempo em que os homens brotavam da terra. Tudo brotava da terra. Havia, portanto, abundância e os homens não precisavam trabalhar.

Esse foi um tempo primeiro, ainda sem a existência do social. E fala de um segundo tempo em que os homens, graças a ajuda dos deuses, aprendem as artes da agricultura, do uso do fogo e da transformação dos metais. Esse é o tempo em que os homens aprendem a viver em sociedade, o tempo em que a sua autonomia será proporcionalmente à sensibilidade de conviver e ter consciência dos seus limites, tanto da sua origem primitiva como das suas fragilidades físicas.

O Político deveria ser justamente o organizador social. Sábio em pensamento e ação, rígido de caráter, flexível na união da vontade enérgica e na moderação. Seria, em síntese, como um tecelão que usa o fio rígido e o fio flexível "estreitando-os todos na sua trama e governa e dirige, assegurando à cidade, sem falta ou desfalecimento, toda a felicidade de que pode desfrutar". Um homem real, comum, unido no homem político.

Lembrei do Político porque o político exerce papel central da vida brasileira. Vivemos um momento de cilada quase absoluta: muito jogo de poder, muito jogo de interesse, muito discurso, ação escassa. Há uma não muito clara, mas persistente tendência em apontar como alternativa a saída pela economia. Como se crescendo em ritmo mais ou menos acelerado, o pais naturalmente fosse encontrar solução para seus graves problemas. É um erro fatal. Cedo ou tarde, o crescimento vai sofrer uma parada de exaustão. E o que irá ocorrer? A volta ao estado de caos anterior? Leia-se governos militares, hiperinflação, etc...

Precisamos ir muito mais além. Precisamos criar uma cultura de cidadania, um autêntico estado de direito, uma democracia autêntica e participativa. Caso contrário, seremos uma nova versão dos homens que brotavam da terra descritos por Platão. Homens que viviam em mundos paralelos sem se dedicar à construção social. Homens que apenas aproveitavam da abundância para viver ( ou sobreviver?) sem se dedicar à criação do conhecimento, à construção de alicerces solidários da existência. Homens que apenas consumiam e se anto-consumiam. Tanto que desapareceram sem deixar vestígios e foram tragados pela terra de onde vieram.

Por tudo isso, seria útil e oportuno ler Platão. Além dos candidatos, os assessores de comunicação teriam muito a aprender. Teoria aplicável na prática. O mito dos homens que brotam da terra quer dizer exatamente isso. De que adianta ter a abundância se dela nada se faz de criativo? 

Transposto para Brasil dos dias atuais poderíamos indagar: de que adianta crescer e redistribuir, se bem que muito timidamente, a renda, se a educação não avança, a Justiça não se democratiza, a política não se humaniza e os valores éticos não são entronizados na rotina do Estado, de toda a superestrutura de poder?

São questões que precisam permear o cotidiano dos partidos, de toda a sociedade, civil e militar. Falar de política e falar de cidades que funcionem e que não se dissolvam na desumanização do trânsito ou de epidemias como a dengue, do tipo medieval. Engana-se quem imaginar que esse tipo de drama pode ser solucionado pela vertente exclusivamente econômica.

Essa é a tese comunicada pelo neoliberalismo requentado, pela chamada empresa hipermoderna que comprime o espaço do político em prol do econômico, que anestesia o coletivo em prol de uma miragem do individuo.

As próximas eleições são uma excelente oportunidade para se dar um salto à frente. Para ver o país com mais clareza. Ver a realidade sem óculos embaçados. 

A campanha pode servir para trazer à tona temas práticos que irão renovar o pais e não apenas palavras ocas. Não existe nada mais anacrônico do que ver a política apenas como um exercício de retórica e imaginação. 

Moderno é mover-se em sentido contrário. Ver a política como parte essencial e da renovação da vida brasileira. Como elemento construtor de um país real, com políticos reais.

Francisco Viana
Jornalista, consultor de empresas e autor do livro "Hermes, a divina arte da comunicação".
É diretor da Consultoria Hermes Comunicação estratégica.