"Papagaio velho..."



Quando a ocasião era propícia, meu saudoso avô, que era um crítico mordaz, exclamava, lá do alto de suas décadas: “Papagaio velho não aprende língua...”. O que ele queria dizer com isso? Que a idade avançada dificulta ou impede a aquisição de novos conhecimentos, reflexos e competências. Hoje – e cada vez mais – estou me convencendo de que ele tinha razão.

Lembro-me de como me foi fácil aprender as quatro operações, ler, escrever e datilografar. A dirigir, então, nem se fala. Claro que o interesse ajudou muito, mas só de ter prestado alguma atenção, já sabia quase tudo quando me sentei à direção do Hudson do meu cunhado. O carro nem sacudiu. Eu tinha 16 anos.

Em contrapartida, meu sogro, que já tinha cabelos brancos quando adquiriu, em 1961, sua primeira viatura – um Morris Oxford 54 – nunca foi capaz de um desempenho além de razoável nessa mesma boleia. Não consigo esquecer sua falsa expressão de conformidade com as barbeiragens que se sucediam como se fossem coisa normal – aquele biquinho de quem está prazerosamente assobiando uma modinha quase inaudível e sem melodia definida. “Fi-fi-fó-fó-fi-fi-fó-fó...” – e lá ia ele, cenhos contraídos e olhar atento, pescoço esticado à frente, quase “cheirando o pára-brisa”, como fazem, pelas ruas de hoje, certas velhotas barbeiras. A troca de marchas não obedecia a lógica - era uma confusão desnecessária, inconseqüente e repetitiva. A velocidade, irritantemente lenta e aos solavancos. Coitado! Depois, vieram um Fiat 147 – outro “cacareco” que logo quebrou – e um Dauphine 61 que não incomodou. Em 68, comprou um Fusca 1300 zero e, mais tarde, um Corcel 76 com que encerrou a carreira e passou a ser meu passageiro:
- Vou parar de dirigir. Não sou mais criança. O trânsito está cada vez pior e tenho medo de atropelar alguém.

Consciência e autocrítica admiráveis! Eu, que aprendi na hora certa, continuo dirigindo com a mesma desenvoltura, mas, com a "maturidade"(?), cada vez tomo mais cuidados. Ainda assim, noto que meus reflexos já não são os de outrora.

Todo esse longo introito, entretanto, veio a propósito de outro assunto: os computadores e a internet. A quantidade de amigos da minha faixa etária que fogem ao desafio dessa convivência com a chamada modernidade não é pequena. Outro dia, topei com um, de fora, que me pediu o endereço para correspondência. Quando lhe ofereçi o e-mail, veio o protesto:
- Não! Isso, não!! Eu quero teu endereço postal.
- Pra quê? – indaguei.
- Ora, pra trocarmos algumas cartas! Pra que mais seria?
- Cartas? Isso não se usa mais, cara! Hoje é tudo pela internet.
- Então, deixa. Eu não me acostumo com isso.

É a confissão tácita da derrota, da desistência e do anacronismo. Uma confissão que limita, que separa, que dificulta a convivência de certos paleontossauros com os contemporâneos mais presunçosos e mais afoitos.
Eu, pelo menos – e à custa de enorme esforço – faço o possível para conviver com esses gigantescos saltos da tecnologia. Mas não deixo de invejar, e cada vez mais, a rapidez com que minha neta, que já nasceu nesse mundo virtual, domina, até com irônica displicência, os segredos dessas máquinas diabólicas – celulares incluídos - que parecem fazer milagres, mas, ciosamente, teimam em esconder dos "mais rodados" suas virtudes e intimidades para prodigalizá-las somente aos jovens iniciados.
Há habilidades que, definitivamente, estão fora do meu alcance, e eu tenho de me conformar. E não adianta insistir – será motivo apenas de vexames e frustrações.

Outro dia, ela estava almoçando conosco, e aproveitei para pedir-lhe que restaurasse meu catálogo de endereços que, simplesmente, havia sumido da tela do OutLook. Devo ter tocado em alguma tecla misteriosa. Não deu outra: ela veio, fez uma manobra rápida, e lá estava o danado de volta.
- O que tu fizeste? Como?
- Tu não viste, vô?
- Não deu! Foi depressa demais! – reagi, humilhado.
Ela repetiu. Eu não entendi e pedi que me ensinasse com calma. Foi visível sua impaciência ao me atender. Só faltou me dizer:
- “Vô, como tu és burro!”
Minha esposa, avó solidária, logo saiu em sua defesa:
- Ela jamais te diria um absurdo desses.

Mas que pensou, pensou. Isso, eu garanto!
E, de imediato, me transportei ao meu querido avô, quando exclamava, do alto de suas décadas:
“Papagaio velho? Não aprende língua!”.

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Autor

Mario Gentil Costa

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