O ZERO, O UM E O INFINITO

Escrever sobre o Zero é escrever sobre o Nada, o Não-Ser, sobre os primórdios que antecederam a criação. Mas, do ponto de vista humano, como admiradores da obra da criação, também é interessante escrever sobre a Manifestação do Nada, ou seja, o Ser, o Um. E daí em diante, por um longo caminho para a humanidade,  percorre-se a obra divina em direção ao Infinito.
Falar ou escrever sobre o Zero, o Um e o Infinito remete imediatamente aos números, seus significados para os matemáticos e para os místicos. De todo modo, os números são elevados aos mais altos graus de importância por muitas mentes iluminadas de nossa história:
“O princípio básico da Escola Pitagórica era que o “número é a substância de todas as coisas”. (1)

Os gregos na época de Pitágoras distinguiam o estudo dos números com aplicações práticas daquelas objetivando o estudo de relações abstratas. Estas eram a logística (esotérica) e aquelas a aritmética (exotérica). Para eles o número era uma virtude ética do “um supremo, o Deus, a origem da harmonia universal”. Já nesta época havia números simpáticos (o cinco, o sete e o quatro) e outros eram temidos (o dois, o nove). O zero não era considerado pela escola Pitagórica.

As abstrações de Zero e Infinito, passando pelo Um, são fonte de inspiração e de muitas e muitas indagações, pois são o âmago de nossas inquietações sobre o Ser, o Nada, o Início, o Meio e o Fim. Tentar abarcar estas questões inevitavelmente acarreta no desenvolvimento de todo um sistema filosófico, à moda de “O Ser e o Nada” de Jean-Paul Sartre. (2)

Ao Aprendiz Maçom, lutador incansável para esquadrejar e desbastar a sua Pedra Bruta, resta se maravilhar e engendrar lentamente pelos caminhos da numerologia e seus mistérios e divindades. As inquietações e perguntas serão de proporções maiores e mais profundas, mas, cada vez mais a luz do oriente estará iluminando o caminho e mostrando a direção. Se os vícios já são reduzidos e a pedra estiver a ¾ de estar polida, então o Irmão não deve temer a aproximação de enormes precipícios de dúvidas, pois os grandes homens tiveram que rompê-los para guiar a humanidade aos dias de hoje.

Posto isto, a seguir tentar-se-á, em nível de Aprendiz Maçom, descrever um pouco a história dos elementos simbólicos (0, 1 e ∞) foco de estudo desta peça de arquitetura, suas interpretações do ponto de vista da matemática e sob o olhar dos místicos.  

ORIGENS
Conceituar e precisar o aparecimento dos símbolos e dos números é tarefa das mais complexas pela falta de registros e documentos para tal fim. No entanto, usando de sua inteligência e discernimento, o homem busca por meio das mais improváveis pistas posicionar no tempo e na história os fatos relevantes para o destino da humanidade.

Sem exagerar nas fontes consultadas e eximir a pesquisa, pode-se afirmar que boa parte do que hoje chamamos de matemática deriva de idéias que originalmente estavam centradas nos conceitos de número, grandeza e forma. (3)

As primeiras conexões neurais que permitiram as abstrações iniciais se focaram na idéia da diferenciação entre um lobo e muitos, a desigualdade de tamanho de uma sardinha e de uma baleia, a dessemelhança entre a forma redonda da lua e a retilínea de um pinheiro. Daí o primeiro conceito foi o de Unicidade, sugerindo que um lobo, uma árvore e um carneiro têm algo em comum. Estima-se que isto tenha ocorrido gradualmente há mais ou menos 300.000 anos.

O segundo estágio de desenvolvimento das capacidades abstrativas foi a contagem, que na época era feita só até dois, como ainda o faziam(em) povos da era moderna. Além de dois se contava como muitos.

Seguindo a evolução natural até os dias de Aristóteles e Heródoto, somos confrontados por duas hipóteses. A primeira delas, a de Heródoto, vê fins práticos no desenvolvimento dos sistemas numéricos. É uma das mais estudadas pela ciência e mais facilmente aceita no meio acadêmico. Seguindo esta idéia, a numeração teria surgido sempre com fins de contagem, medição, previsão de fenômenos meteorológicos, entre outras. A segunda vertente, de Aristóteles, que sugeria o aparecimento da geometria devida à classe sacerdotal no Egito, com fins de lazer. Atualmente estudos antropológicos propõem a possibilidade do surgimento da necessidade de contar devida a rituais religiosos primitivos e que o aspecto ordinal (ordem) precedeu o aspecto quantitativo. Em ritos cerimoniais representando mitos da criação era necessário chamar os participantes em ordem para a encenação, o que ocorria simultaneamente em diversos lugares da terra. Concorda com esta hipótese a existência dos números masculinos e femininos, ou seja, ímpares e pares.

De qualquer modo, o homem neolítico pode não ter tido lazer ou necessidade de medir terras, mas os desenhos e artefatos que nos deixou de herança, mostram preocupação com relações espaciais, congruência e simetria, que são traços de geometria elementar. Portanto, da criação até os dias de hoje, a evolução material se dá em conjunto com a abstração cada vez maior, no que parece ser um caminho sem volta até um destino bem definido já no processo de criação. Se iremos ao Infinito para voltarmos a Unidade, é questão de crença pessoal de cada um, mas a história através de suas pistas não deixa muitas dúvidas disso.

O Surgimento do Zero
Na época de Pitágoras o zero não era considerado, levado em conta. A demora para o surgimento do zero pode ser intuída por:
                                   “A vida sem o zero”
“O problema do zero consiste em que não precisamos de o utilizar nas operações da vida cotidiana. Ninguém sai para comprar zero peixes. De certo modo, é o mais civilizado de todos os cardinais e o seu uso só nos é imposto por modos de pensar elaborados”. (Alfred North Whiteh) (4)

A primeira referência aos numerais hindus data da época de 662 nos escritos de Severus Sebokt e nos quais a computação era realizada por meio de nove sinais, ou seja, os hindus não tinham atribuído um símbolo para a posição vazia, isto é, um símbolo para o zero. A mais antiga ocorrência indubitável de um zero na Índia ocorre em uma inscrição de 876. Por isso é dúbia a afirmação que o zero foi inventado pelos hindus. Este pode ter sido originado no mundo grego, talvez Alexandria, e levado à Índia após o sistema decimal posicional ter sido desenvolvido lá.

Os maias de Yucatan, para a representação de intervalos de tempo em calendários e bem antes dos dias de Colombo, usavam notação posicional e indicavam a posição vazia por meio de um símbolo, que aparecia em diferentes formas, semelhantes a um olho meio-aberto. (5) Outras vezes usavam para o zero o símbolo do caracol (espiral), símbolo da regeneração periódica. (6)

Os hindus usavam um ovo de ganso para o zero e seu sistema de numeração hindu é uma combinação de três sistemas básicos: 1) base decimal; 2) uma notação posicional, e 3) uma forma cifrada (7) para cada um dos dez numerais. Nenhum deles foi exclusivamente deles, mas eles os uniram para formar o moderno sistema de numeração.

O símbolo para o zero foi suposto ter origem na letra grega ômicron, inicial da palavra ouden ou vazio. Nas tabelas de cordas de Ptolomeu o símbolo se parece mesmo com o ômicron. Mas no Império Bizantino às vezes ele parecia uma forma invertida de nossa letra h minúscula, às vezes aparecia como um “ponto”.

Origem do Um
Pelo descrito anteriormente, o primeiro marco na evolução da abstração humana no que se refere à matemática foi o reconhecimento da Unidade. Por isso, o número um não era inicialmente reconhecido como um verdadeiro número, pois:
“Número vem da palavra grega “nemo” que significa “dividir”, em latim “numerus”. Materialmente falando os números resultam da multiplicação do um. Porém, metafisicamente falando são divisões do um, como quer a etimologia da palavra”. (8)

Na época de Pitágoras, o número um não era considerado como ímpar, mas como fonte de todos os números (os Sephirot da Cabala). Pode-se intuir o surgimento do número um pela concepção de Pitágoras do mesmo, qual seja: a unidade, isto é, a mônada era o elemento criador de tudo. Um era a razão, porque era imutável. O um era o símbolo da própria divindade – “que contém tudo e da qual resulta tudo”.

A filosofia Pitagórica afirmava:
“O número um simboliza a identidade, a igualdade, a concordância e a simpatia reinante no mundo; o dois implica na idéia de multiplicidade, desigualdade, discriminação”.

Enfim, não há referências exatas sobre o surgimento do número um, mas pode-se concluir que o mesmo é originário do embrião da consciência humana, dos primórdios da contagem, quando se dizia: eu, dois e muitos. Em outras palavras, quando o homem deu o salto para o reconhecimento de si mesmo como Unidade, como Ser. Este foi o instante de criação para o Homem, notavelmente muito depois da criação do mundo. De acordo com Sartre: “Toda existência consciente existe como consciência de existir”.

A Origem do Infinito
É na descoberta da existência de grandezas incomensuráveis que o infinito irrompe na matemática grega. Desde os dias de Zeno de Eléia (por volta de 450 a.C.) que se falava em infinito, tanto na teologia quanto na matemática, mas ninguém antes de 1872 fora capaz de dizer exatamente do que estava falando, passando por Galileu em 1638. Esta definição foi dada por Dedekind, que juntamente com Cantor estudavam os paradoxos de Bolzano e problemas de continuidade e números irracionais.

A definição dada por Dedekind e estudada também por Cantor, que criou os números transfinitos, não deve ser confundida com o símbolo de Wallis, que viveu de 1616 a 1703, que é 1/0 = ∞.
Sugere-se que as raízes da noção de infinito estão no trabalho realizado por Pitágoras (569-500 a.C.) um século antes de Zenão (Zeno de Eléia).

VISÃO MATEMÁTICA DO ZERO, UM E INFINITO
Com objetivo de contrastar o misticismo dos números e dos símbolos, objetivo dos estudos do Maçom, mostrar-se-á alguns aspectos tidos puramente matemáticos dos números zero, um e infinito.

Apesar de muitas vezes, como na época de Aristóteles, o homem ter o desejo de distinguir o que é prático do que é espiritual, é comum nos depararmos com questões totalmente místicas enveredando as bases da ciência.

Assim, algumas noções serão mostradas e fica a critério do Ir∴ concluir se as afirmações exotéricas são fechadas em si e não deixam espaço para explorações esotéricas.

O Zero Matemático
O zero pode ter quatro significados distintos: como elemento de contagem, como valor posicional, como dado operatório e como origem.

Como elemento de contagem faz parte da seqüência dos números naturais, que são inteiros não-negativos (0, 1, 2, 3, ...); inteiros, que são os naturais com a inclusão dos negativos (..., -3, -2, -1, 0, 1, 2, 3, ...), nestes também como elemento separador dos positivos dos negativos.
Denota valor posicional ao permitir a definição de unidades, dezenas, centenas, milhares e assim por diante, denotando a ordem vazia.
Como operador, é o elemento neutro da adição, anula o produto em uma multiplicação e também elemento de indeterminação (00).
Finalmente, como origem, de natureza contínua e elemento de unificação da reta numérica dos reais, conforme definido por Dedekind.
O zero na pintura, utilizado primeiramente em 1425 por Fillipo Brunelleschi para criar o ponto de fuga, onde os objetos a certa distância são esmagados num único ponto. O zero no centro da pintura contém uma infinidade de espaços.

O Um na Matemática
O número um é o ponto de partida dos números positivos ou negativos, com o zero como divisor de águas.
Na multiplicação e divisão, não altera o resultado da operação se estiver no multiplicador ou no denominador. Já na geometria inversiva, é o elemento que denota a divisão, por exemplo, o inverso de r é 1/r.

Para a composição dos números, de zero ao infinito, é tido como elemento de acréscimo, de formação da seqüência infinita. O número dois é formado adicionando um mais um, o três é formado adicionando um mais um mais um, e assim por diante.
Na teoria dos conjuntos, a presença de apenas um elemento caracteriza um conjunto unitário. Além disso, desde Pitágoras, o número Um é dito Amigável, Triangular, Quadrado, cada denominação com sua definição matemática específica.

O Infinito Matemático
Para os propósitos deste trabalho adotaremos a definição de Dedekind para o infinito:
“Diz-se que um sistema S é infinito quando é semelhante a uma parte própria dele mesmo; caso contrário S se diz finito”.

Em outras palavras, um conjunto S´ de elementos se diz infinito se os elementos de um subconjunto próprio S podem ser postos em correspondência biunívoca (um elemento com apenas um) com os elementos de S´. Por exemplo, o conjunto dos números naturais S´ é infinito, pois um subconjunto S de números triangulares está correspondido em S´ biunivocamente pela relação n(n+1)/2.
Por sua vez, o símbolo de Wallis, expresso em 1/0=∞, significa matematicamente que não existe número real que multiplicado por zero produza o número um.
A questão posta resolvida por Dedekind foi estudada em seguida por Cantor, que comprovou que os conjuntos infinitos não são todos iguais, inserindo os números transcendentes para dar aos reais a densidade que resultaria em maior potência.
Desde Aristóteles ocorre a distinção entre infinito Atual e infinito Potencial. Este último é usado para descrever processos contínuos ou movimentos sem fim, uma série de números que cresce ilimitadamente. Já o infinito Atual é conceituado como uma “coisa” perdida, um ponto no infinito por exemplo, uma carga elétrica puntiforme posicionada no infinito.
Na seqüência “1, 2, 3, ..., ∞” ∞ é tido como um ponto final em uma enumeração, maior do que qualquer número finito e além de todos eles, mas não é um número.

Matematicamente não existe um número infinito, uma equação do tipo n=∞. Para os matemáticos o símbolo ∞ não significa nada afinal, exceto na frase “tende a ∞”.
O símbolo ∞ não pode ser usado para cálculo, funciona apenas como extremidade e operações com ele são amplamente indefinidas. Por exemplo, ∞/0 é indefinido, como o é ∞∙0, ∞-∞ e ∞/∞.
Interessante notar aqui a definição dada para unidade por Koestler:
“O infinito era uma quantidade politicamente suspeita, o “Eu” uma qualidade suspeita. O Partido não reconhecia sua existência. A definição de indivíduo era: uma multidão de um milhão dividida por um milhão”.

Poder-se-ia também abordar o infinito da geometria inversiva, o conjunto infinito dos números naturais, o fecho gerador e a conceituação de todos (). Vale salientar o leitor para observar a semelhança do símbolo matemático para todos com a mônada que será descrita posteriormente.
Ainda, as diversas progressões, entre as quais: funções lineares (n, 2n, 3n, etc.), funções potenciais (n1, n2, n3, etc.), funções exponenciais (progressão geométrica), funções fatoriais (1!, 2!, n!, etc.), dentre outras.

O SÍMBOLISMO MAÇÔNICO PARA O ZERO, UM E INFINITO
Do ponto de vista utilitário, o testemunho do número é intocável e imutável, ou seja, meramente mensurável, tangível, palpável e aparente. Ainda de acordo com Chaboche, “a noção aritmética do número parece nada ser senão uma pura visão espiritual, sem nenhuma ligação com a realidade das coisas, pois nenhum número é concretamente discernível na natureza”.
Da definição de Sartre em o Ser e o Nada: “O Ser é. O Ser é em si. O Ser é o que é”. Ainda: “O Ser dos fenômenos não é um fenômeno: Ele é”.

O número pode ser aplicado a qualquer fenômeno, de acordo com Charles Bernard Renouvier apud Chaboche. Ora, então o número é uma dádiva concedida ao Homem para decorrer sobre os fenômenos, na vã esperança de tocar o Ser dos fenômenos.

Decorre daí que número é uma abstração pura e como tal, está carregado com um corpo de conhecimento material e espiritual, fruto de toda evolução humana, de seus medos e inquietações. Mais prudente seria não tentar discernir fronteiras entre o científico e o místico.

Para Chaboche, a tradição e o esoterismo consideram o número como linguagem universal, mas sempre como expressão de uma realidade não exclusivamente quantitativa. Os números podem então não ser considerados apenas em suas propriedades lógicas, aritméticas, algébricas, geométricas, mas também em suas dimensões analógica, simbólica, psicológica, lúdica, poética, mágica e metapsíquica, dentre outras.

O êxtase de Sartre e o sentimento oceânico de Koestler podem ser resumidos por Abellio apud Chaboche: “O verdadeiro conhecimento é ao mesmo tempo ciência e iluminação interior” e por Pitágoras: “Toda vida se destina a um fim e este é a aquisição da consciência de Deus ou do Todo”.

Para Pitágoras o número não era considerado quantidade abstrata, mas a virtude intrínseca do UM supremo, de Deus, fonte da harmonia universal. O simbolismo dos números Pitagóricos era: um é a razão, dois a opinião, quatro a justiça, cinco o casamento, dez a perfeição, etc.; um é o ponto, dois a linha, três a superfície, quatro o volume.

As questões mais complexas para o entendimento humano podem ser resumidas por três elementos: 0, 1 e ∞. O Nada, o Ser e o Infinito. Tanto a física atual como Sartre e muitos outros já se perguntaram como o Tudo pode surgir do Nada.
Com os três elementos podemos escrever a relação, também aceita matematicamente, 1/0=∞. Parece estranho tentar explicar a uma criança que a unidade (uma laranja, por exemplo), pode ser dividida por ninguém e resultaria em tudo. Já a explicação de que uma laranja pode ser dividida por muitas crianças e resultaria num pedaço tão pequeno para cada uma que seria praticamente zero (1/∞=0), é mais aceitável. No entanto para, a partir da expressão original se escrever 1/∞=0 se deve passar por uma etapa intermediária, na qual se tem 1=∞∙0. Materialmente falando é complexo tentar entender o que significaria a multiplicação do infinito por zero. Por sua vez, metafisicamente, significa que a Unidade é resultado da multiplicação do Nada pelo Todo.

Voltando a expressão 1/∞=0, pode-se concluir com Chaboche que a divisão do Um ao Infinito leva ao Nada, que é o princípio da criação. Daí tira-se que a Unidade, o Um, deve se doar infinitamente à divisão para atingir o Nada, o Não-Ser, a Causa sem Causa, ou seja, Deus. Para Chaboche, os números constituem os modos do infinito e não podem ser apreendidos na totalidade pela intelectualidade humana.

Este movimento do Um se doando à divisão ao Infinito é o mecanismo da criação, é evolução material e involução espiritual, ou seja, é se dividir em direção ao Nada, ao criador. O movimento de retorno, da associação e integração do Infinito em direção à Unidade é materialmente involução e evolução espiritual.

Esta dança é o mecanismo da criação e reintegração. Decorre que em termos materiais deve-se dividir e partilhar, para então espiritualmente se concentrar em direção à Unidade e sentir-se Ser-em-si, usando uma conceituação de Sartre. O Selo de Salomão com os dois triângulos entrelaçados é o símbolo deste duplo movimento de criação e reintegração (). O vértice de um triângulo é formado por um único ponto, enquanto o vértice oposto é formado por uma infinidade de pontos dispostos na reta. Dedekind afirmava e Cantor formalizou que: “a reta é infinitamente mais rica em pontos individuais do que o domínio dos números racionais como pontos individuais”.

Os números triangulares de Pitágoras formam sempre triângulos com lados iguais e são exemplos destes números: 1, 3, 6, 10, 15... respeitando a relação n(n+1)/2. Pelo exposto anterior se percebe a admiração de Pitágoras por estes números.
O misticismo sobre os números não surgiu entre os pitagóricos. Desde muito antes os povos manifestavam sua crença em atributos masculinos e femininos dos números, todavia, os pitagóricos levaram ao extremo estes aspectos da numerologia, baseando neles sua filosofia e modos de viver. Cada número tinha seus atributos peculiares e o dez era o mais sagrado, o número do universo.

O Zero Místico
O zero é considerado a fonte de todos os números, inclusive no hinduísmo, no qual o Tao produziu o Um, o Um o Dois, o Dois o Três, o Três produziu todos os seres. Por sua vez, o Tao é o vácuo, o vazio original, o nada de onde tudo saiu e para onde tudo retorna. Este zero, vazio original, nada, indica a nulidade, a ausência de entidade. Mas esta nulidade, este vazio é rico em possibilidades e promessas.

Para Chaboche, o zero e o infinito, que são dois modos diversos da mesma realidade inapreensível, são a condição de qualquer existência. O zero é uma definição do divino.

O zero representa o Não-Ser, o Nada, a Causa sem Causa (Deus). No esoterismo é a fonte da existência e o vazio no qual esta existência pode se manifestar. Usando um exemplo de Chaboche, é como o silêncio que é condição e fonte de todo som.
O zero também representa o equilíbrio, o fechamento, a nulidade e equivalência nas equações matemáticas. Para os indianos, o zero ultrapassava as noções heterogêneas de vacuidade, niilismo, nulidade, insignificância e de não ser das filosofias greco-romanas.

“O shûnya agrupava todas essas noções, seguindo uma perfeita homogeneidade; significava não só o vazio, o espaço, a atmosfera e o éter, mas também o não criado, o não produzido, o não ser, a não existência, o não formado, o não pensado, o não presente, o ausente, o nada, a não substancialidade, o pouco, o desprezível, o insignificante, o nulo, a nulidade, o não valor, o pouco valor, o sem valor e o nada-que-valha”.

É interessante observar como o zero é condição de partida e retorno, início e fim. Vejamos: o zero é condição do um, nove é o zero do sistema decimal, doze é o zero do treze, vinte e dois é o zero de vinte e três. Destas condições, sem dúvida a mais impressionante é a que mostra o Zero como origem, o Um surgindo a sua direita  e progressivamente até nove. Neste ponto ocorre uma assombrosa permuta e o Um passa para a esquerda do Zero, formando o  número dez.

Para Boanerges B. Castro, o Zero colocado a esquerda do Um (01, Deus↔Unidade), significa a involução do infinito ao denso, a manifestação. O Zero colocado a direita do Um (10, Unidade↔Deus) significa a perfeição absoluta, o retorno do que era denso ao leve, ao espaço absoluto.

Pelas explicações do Complemento II à 4 Instrução de Aprendiz-Maçom e do texto de Boanerges B. Castro, derivamos que durante a gênese, e na sua precedência, o espaço já existia, ou melhor coexistia com o Zero, com o Nada, com Deus. Ainda não havia manifestação. Não havia o tempo, que iniciou no momento da manifestação. A continuidade da linha circular do Zero nos dá idéia da infinitude da pré-existência. Sua modificação origina a letra “G” que atribuímos ao G∴A∴D∴U∴ representando  o ciclo do tempo.

Em  conclusão, o Zero é associação indissolúvel a Deus, pois o Nada é inapreensível para os humanos, decorrentes da obra da criação, da divisão do Um.

O Um – Manifestação do Divino – Do Zero
Conforme explícito na descrição bíblica da gênese, “No princípio Deus criou os céus e a Terra”. Este é o marco inicial da contagem do tempo.

O ponto branco no centro do círculo negro representa a manifestação da força criadora, o Zero, para o surgimento do Um, a sua obra. A manifestação se deu como um raio descido verticalmente do círculo (Zero) para o centro formando o Um.
O Um concentra todas as potencialidades do ser, que no Zero eram potenciais, não manifestadas. Deus é tanto Zero como Um. Ainda não manifestado o denominamos de Não-Ser e manifestado de Ser.

Os números primos, que são apenas divisíveis pela unidade e por si mesmo, para a numerologia são o reflexo da unidade, possuem além de suas qualidades de Ser, as qualidades da unidade, do Um, de Deus. Daí deriva-se que todo número primo é uma imagem do criador, como um código genético, no alinhamento infinito dos números, conservando a integralidade da manifestação do sopro divino da criação, que é o Um.

Universo é a inversão, diversificação, divisão ao infinito, doação à seqüência eterna,  do Um. Pascal já dizia que “Todo o Universo está contido na Unidade”. Leibniz atribuía ao Um – a mônada de Pitágoras – o absolutismo de Deus.
O Um é a letra yod no tetragrama IEVE (yod, hé, vav, hé) que significa “Eu sou aquele que sou”. Ainda seguindo a linha de Chaboche, se o Zero era a dúvida metódica, o Um é o cogito ergo sum (penso logo existo) cartesiano.

Na 5ª instrução clássica é dito que “o número Um, a Unidade, é o princípio dos números, mas a unidade só existe pelos outros números”. O que pode ser sugerido aqui é que a manifestação divina não cessa no Um, pois o mecanismo da criação a orienta ao Infinito. Se a criação se esgotasse no Um, a obra estaria inacabada, da mesma forma que um escritor não escreve um livro para si.

O ponto dentro do círculo ou no centro do triângulo equilátero é o símbolo Maçônico da Unidade da Essência Divina, o Grande Arquiteto do Universo e sua eternidade, da causa sem causa, da mente imutável, do eterno poder germinativo. A mônada representa isto tudo, a raiz, a origem e síntese de todos os números.

O Infinito Atingível
Vimos que o Infinito é inapreensível ao humano. Mesmo assim, humanamente partícipes da criação e da obra do criador, estamos orientados a evolução e involução, seja material ou espiritual.
Diz-se que o Templo Maçônico representa o Universo, e que sua abóboda representa o celeste, a infinidade de astros e do espaço.

As romãs dispostas sobre os capitéis da colunas B e J, na entrada do Templo, são equivalentes “ao feixe de Esopo: milhares de sementes contidas no mesmo fruto, num mesmo germe, numa mesma substância, num mesmo invólucro – imagem do povo maçônico que, por mais multiplicado que seja, constitui uma e mesma família”.

Infinito é uma das denominações de Deus, conforme João I. Girardi, o ser humano em sua parte espiritual é infinito. O final neste caso não é fim no sentido de acabar, mas fim no sentido da união, da assimilação da obra com o criador.
Uma interpretação para o símbolo de infinito (∞) sugere a serpente que  morde seu próprio rabo, representação do cosmos sem começo e nem fim, a continuidade eterna, com alguma semelhança ao Zero.

O Infinito se confunde com a Unidade, assim como na matemática se descreve um ponto no infinito.
Involuir espiritualmente significa reconhecer e ter ciência do quão afastado se está do criador e da Unidade. Desbastar a P∴B∴ significa tomar nota dos vícios, que podem ser muitos, milhares, em número tenderem ao infinito, mas podem ser corrigidos, nos aproximando da Luz, da Unidade, da Essência, do Nada que é Tudo.

Poderia o Nada representar a ausência de matéria e a Unicidade de espírito? É possível conjecturar este tipo de pensamento, de inquietação ou de discernimento,  que nos facilite involuir, estes sim são dotados de infinita bondade e devem ser praticados até mesmo pelo Aprendiz.

CONCLUSÃO

Nesta peça de arquitetura procurou-se percorrer um árduo, mas empolgante caminho, da origem e significados matemáticos e místicos dos elementos Zero, Um e Infinito.

Ora as significações se misturam, ora se complementam e outras vezes se distanciam, parecendo que há um mundo da ciência e racional e outro da crença e irracional.

Afinal, não foi a partir do momento que o Homem tomou consciência de sua razão, que iniciou a obra da criação e sua involução em direção ao criador. Antes disto não era o Homem um Ser, uma criatura quase inanimada perante a beleza da criação e os mistérios do espírito.

Das inquietações e dúvidas resultantes deste estudo, o conformismo de que a Unicidade é possível é uma constatação. A descoberta de leis e regras universais, como buscavam e ainda desejam tantos cientistas é plausível, mas estas devem levar em conta e conter o imaginário da razão, o místico, a fronteira ciência x metafísica deve desaparecer e neste caso, somente neste caso, a involução estará margeando o Um, a origem e finalidade de tudo.

Clovis Antonio Petry

Notas:

1 Christian Quintana Pinedo. Números para Pitágoras. Boletim de Matemática, Vol. 1 (2004), No 1, p.1-22. 2.  Jean-Paul Sartre. O Ser e o Nada. Ensaio de Ontologia Fenomenológica, Editora Vozes, RJ, 2008. 3.  Carl B. Boyer. História da Matemática. Editora Edgar Blücher, SP, 2003. 4. Fabiane Guimarães et al. Reflexões sobre o zero. Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática, PUC/SP, SP, 2006. 5. Carl B. Boyer. História da Matemática. Editora Edgar Blücher, SP, 2003. 6. François-Xavier Chaboche. Vida e Mistério dos Números. Editora Hemus, SP, 2005. 7. Cifra – atualmente designa os símbolos dos numerais. Inicialmente designava o zero, do árabe “çifr”, vazio (zero). De GLSC. Complemento II à 4ª Instrução de Aprendiz-Maçom – O Zero, o Macrocosmo e o Microcosmo, A 47ª Proposição de Euclides, A Forma das Lojas Maçônicas. Florianópolis, 2006, p. 6. 8. Christian Quintana Pinedo. Números para Pitágoras. Boletim de Matemática, Vol. 1 (2004), No 1, p.1-22.