O sentimento de culpa em parentes de suicidas

Apesar de situações que fogem ao nosso controle, o suicídio de pessoas que nos são próximas causa um profundo sentimento de culpa.

Durante minha infância e idade adulta meu pai tentou se matar inúmeras vezes. Eu tinha 4, 10 e 28 anos quando ele fez suas tentativas mais sérias. Nessas ocasiões, o encontramos no acostamento de uma estrada, caído ao lado da cama e na garagem da minha avó, onde tentou se suicidar com o escapamento de gás do carro Oldsmobile azul, que chamávamos de orca.

 

Nos períodos em que meu pai não tentava se matar, eu me sentia um super-herói. Lembro-me de pensar quando criança que ele estava vivo por causa do meu amor.

 

A responsabilidade de mantê-lo vivo foi um fardo terrível que carreguei ao longo da vida. Procurei não incomodá-lo. Quando minha irmã e eu ríamos por algum motivo, isso o irritava, porém, em seguida, sua reação o entristecia. Eu queria rir, mas minha prioridade era mantê-lo vivo. Aprendi a não pedir determinadas coisas, como dinheiro para comer pizza com amigos depois da escola. Se ele não tivesse dinheiro, se sentiria culpado, o que o deixaria deprimido. O que era mais importante, uma fatia de pizza ou a vida de meu pai?

 

Agora sei que suas tentativas fracassadas de suicídio foram resultado de acontecimentos fortuitos e do arrependimento, e o que o mantinha vivo era a terapia e a medicação, assim como a hospitalização quando a depressão aumentava.

Depois de todos os esforços para encerrar uma vida de estresse psíquico e sofrimento, meu pai morreu em julho do ano passado ao ser atropelado por dois carros enquanto caminhava com um amigo no acostamento de uma estrada em uma manhã de névoa espessa. A investigação policial confirmou que havia sido um acidente.

 

Quando acordei na sexta-feira, 8 de junho, com a notícia do suicídio de Anthony Bourdain logo após o suicídio de Kate Spade, senti uma profunda tristeza, não só pela morte dos dois, como também pelo sofrimento que os havia levado a cometer esse ato.

 

As mensagens no Twitter, no Facebook e no Instagram eram carregadas de tristeza e compaixão em uma demonstração de amor coletivo. É profundamente encorajador assistir à luta para não estigmatizar os distúrbios psíquicos, como a depressão. Assim como dever estranhos compartilhando seus telefones: “Por favor, me liga se precisar de ajuda!” Mas subjacente às mensagens de ajuda existe a culpa por não ter conseguido impedir esse ato extremo.

 

“Mas em vez de nos sentirmos culpados, deveríamos ter uma atitude mais consciente e um envolvimento maior com as pessoas que nos rodeiam”, disse Gregory Dillon, professor assistente de medicina e psiquiatria do Weill Cornell Medical College. “E, talvez, a comunicação, a compreensão dos sentimentos alheios e a empatia possam impedir que mais pessoas cometam suicídio”.

 

A notícia das mortes de Kate Spade e Anthony Bourdain foi divulgada na mesma semana em que o Centers for Disease Control and Prevention registrou um aumento de 25% nas taxas de suicídio entre 1999 e 2016, ano em que cerca de 45 mil americanos cometeram suicídio.

 

Apesar do meu sentimento de culpa por não ter conseguido eliminar a angústia existencial de meu pai com meu amor, eu não poderia tê-lo salvado do atropelamento, nem dos comprimidos que ingeriu, tampouco da navalha com que tentou se cortar ou do monóxido de carbono que inalou.

 

“É cruel culpar a nós mesmos e aos outros por algo que foge ao nosso controle”, disse a psicóloga Lakeasha Sullivan. “Porém, podemos conversar sobre a voz interna que às vezes questiona o sentido da vida e nos mergulha em um estado de profundo desânimo. Talvez, assim, seja possível encontrar outra saída que não a morte”.

 

Fontes

The New York Times-Suicide Survivor Guilt

Publicado em: https://goo.gl/HGbhPD