NÃO AO PENSAMENTO POSITIVO
Ouvi um conhecido leitor de tarot, num programa matinal de televisão, dizer que devemos ter "pensamento positivo": se olharmos com otimismo para o futuro e esperarmos que ele nos sorria, ele vai mesmo sorrir-nos.
Há uma explicação racional dada pela psicologia: se formos optimistas, somos mais eficazes porque nos esforçamos mais naquilo que fazemos, temos mais confiança nas nossas capacidades, adaptamo-nos mais facilmente às vicissitudes da vida e, portanto, isso pode facilitar a realização dos nossos objetivos.
Mas, a afirmação do leitor de tarot é enquadrada por uma crença muito menos racional: a de que os nossos pensamentos podem misteriosamente ter um impacto direto no mundo real. Os pensamentos negativos, diz-se, produzem resultados negativos, enquanto os pensamentos positivos se materializam sob a forma de saúde, prosperidade e sucesso.
Este traço místico do pensamento positivo fez florescer uma vasta indústria de livros de autoajuda e de cursos e palestras de treino da mente, ao mesmo tempo que impregnou vários domínios da realidade: saúde, negócios, finanças, psicologia e até o mundo acadêmico universitário.
E surge um vocabulário correspondente: se se está doente, é proibido chamar a si próprio vítima ou doente, devido à ressonância destes termos com autocomiseração e passividade. A doença deve ser vista como uma "dádiva" para apreciar melhor a vida, a oportunidade de se tornar uma pessoa melhor. Deve reprimir os seus sentimentos naturais de raiva e tristeza, pois são vistos como obstáculos à recuperação (ou mesmo como contribuindo para uma evolução negativa da doença).
Assim, a ideologia do "pensamento positivo" - que impõe a felicidade como um dever - acaba por desencadear a culpabilização da pessoa doente, que sente que a culpa de ter contraído a doença ou de não ter recuperado dela é sua.
Seminários, sessões de motivação, cursos de coaching, textos de autoajuda alimentam-se do "pensamento positivo" e transformam-no num negócio próspero. Se foi despedido do seu emprego, não se zangue: veja-o como uma oportunidade para se reinventar. Quer perder peso? Pense como um vencedor, não como um perdedor, e perderá quilos. O seu parceiro deixou-o? A culpa é sua, por não ser positivo, por ver o mal nas coisas e deixar transparecer essa negatividade. Precisa de dinheiro? O verdadeiro obstáculo está na sua cabeça, que rejeita o lucro. Alguém que conhece está com problemas? Peça pensamentos positivos aos outros, como orações.
O "pensamento positivo" tem os seus ideólogos, os seus porta-vozes, os seus pregadores e os seus anúncios publicitários.
As coisas, aliás, não são puramente pretas ou puramente brancas, mas na vida temos de caminhar num mosaico: a alternativa ao pensamento positivo não é a desesperança.
De fato, o pensamento negativo pode ser tão enganador como o outro. Em ambos os casos, as percepções são tingidas de emocionalidade e o ilusório é aceite como real.
Temos de tentar sair de nós próprios para ver as coisas como elas são, o que, evidentemente, não é um exercício fácil. Exige o uso da razão, da reflexão crítica, para distinguir com lucidez quais as situações que podemos controlar e quais as que estão para além da nossa determinação.
Assim compreenderemos que no mundo há tantos riscos como oportunidades e que é possível procurar a felicidade, mesmo que carreguemos sempre o pesado fardo da nossa fragilidade humana.
ROGELIO RODRÍGUEZ MUÑOZ
Licenciado em Filosofia e Mestre em Educação, Universidade do Chile.
Fonte: Revista Occidente - Nº 549 - maio 2024