Espiritualidade maçônica

Na meditação, análise, introspectiva e debate sobre a espiritualidade e suas derivações práticas na Ordem Maçônica, o Soberano Grande Comendador Felipe LLanes Menéndez se aprofunda e centra os conceitos básicos para o seu maior entendimento.

Um dos grandes acertos da maçonaria estriba no que abre a todos os maçons, sem distinção de gênero, raça ou credo religioso, as opções de desenvolver suas liberdades individuais com o sentido que entenderam John Locke (1632-1704) e David Hume (1711-1776) que tanto entusiasmaram a F.M.A. Voltaire (1694-1778). Respeitando a liberdade de pensamento e as convicções íntimas de seus membros a maçonaria aporta, ademais, a fé no Grande Arquiteto do Universo liberando aos maçons e subsidiariamente a toda humanidade, de incertezas, cargas mentais onerosas e sombrias, pois existe “O suplício de ter deuses e o suplício de tê-los” como disse Sogyal Rinpoché (1946- ) antes de termos uma multiplicidade de opções, nossa liberdade individual nos possibilita o priorizar e escolher.

Afirmava Martin Heidegger (1889-1976) que a existência é uma “travessia entre nadas”. Somos um ponto, em uma linha infinitamente longa! Mas, acaso somos?

É tido por certo e em algumas dos ramos hinduísta e budista que não existimos realmente, que somos um sonho de Brahma. Semelhante postulado o mantém George Berkeley (1632-1753) ao afirmar que a matéria só existe ao ser percebido. Querendo alcançar certezas que se basearam em algum conhecimento inquestionável René Descartes (1596-1650) enunciou sua famosa frase: “cogito ergo sum”. Podemos convir, então que pensar supõe existir? Refletindo sobre ele Jean Paul Sartre (1905-1980) “descobriu” que a consciência que percebe que estamos pensando, não é o pensamento mesmo. Será por acaso o espirito?

Uma “homenzinho” em nosso interior, que em um segundo plano analisa e entende o pensado. Ambos filósofos descrevem funções próprias dos centros e vias nervosas, até chegar ao máximo da consciência e da funcionalidade integrada localizado no córtex cerebral, mas sempre dentro do domínio da matéria. A matéria como tal sabemos que é sumamente dinâmica e indestrutível salvo desintegração dos átomos com liberação de energia, que finalmente é também outra forma de transformação.

“O espírito não é nem uma estrutura nem uma função, é imaterial com alguma forma de individualidade e dotado de razão. Aquilo que pertence ou se relaciona com o espírito dizemos que é espiritual. O amor é o cimento do espírito e o cimento da espiritualidade”.

A maçonaria universal tem em grau suma condição e natureza de espiritual; distinguindo a espiritualidade de seus membros e a própria que origina de seus diversos rituais.

O coletivo maçônico é muito heterogêneo e cada maçom faz sua contribuição à redoma espiritual. Os rituais integram e transformam; a espiritualidade coletiva, se pudesse medir-se, é maior que a individual e assim a maçonaria é como o fogo do amor, como um cadinho que melhora com o incentivo da fraternidade, os espíritos de seus membros.

Ao Princípio Universal Regulador do Universo o denominamos os maçons como “Grande Arquiteto” atendendo às origens remotas da maçonaria operativa. A aproximação racional ao Grande Arquiteto do Universo se pode fazer seguindo a esteira intelectual de Baruch Spinoza (1632-1677) que o define como Ser absolutamente infinito, uma substância que consta de infinitos atributos, cada um dos quais expressa uma essência eterna e infinita, isto é, uma substância, entendida como aquilo que é em si e se concebe por si e que por tanto é aquilo cujo conceito, para se formar, não precisa do conceito de outra coisa.
Esta concepção não precisa de revelação nem de fé. A fé não é um método para chegar ao conhecimento da verdade. A fé é um estado de espírito que impulsiona a acreditar e agir apaixonadamente e que, ponto crucial, exclui o exame crítico. Pode ser muito fraca a esperança que nos fique no sucesso de alcançar certezas relativas ao G. ·. A. ·. D.·. U. ·. mas a demonstração da negação absoluta enfrenta as mesmas dificuldades.

Na minha opinião é um erro, tantas vezes repetido! Tentar explicar os atributos do espiritual a partir dos princípios do sensível; é como misturar conceitualmente ideias diferentes, não comparáveis, não miscíveis. Tal seria pretender misturar os átomos de Demócrito (460-370 A.C) com as monadas de Gottfried Leibniz (1646-1716).

O indivíduo em seu desenvolvimento ontogênico ou as coletividades humanas como civilizações em diferentes épocas podem se aproximar do conhecimento da verdade. Averroes (1126-1198) dizia que esta aproximação à «verdade única» é feita com três níveis distintos:

1.- Religião, que inclui o vulgo comum e através do uso de linguagem mítica.
2.- Teologia, argumentando o mito religioso mas não cientificamente, e
3.- Filosofia, forma de silogismos e demonstrações de base científica.

Conhecedor desta pirâmide que possibilita o acesso ao conhecimento Spinoza estabeleceu a distinção de seus três graus de conhecimento metafísico:

1º Imaginação, com base nos sentidos e nos costumes.
2º A razão, entendida como percepção clara e distinta das coisas
3º A ciência intuitiva.

Já no século XVIII, Auguste Comte (1798-1857) acotou o desenvolvimento intelectual e cognitivo da humanidade também em três estágios que chamo de Teológico, Metafísico e Positivo. Talvez a pirâmide humana do desenvolvimento espiritual seja mais complexa e deverá incluir também a Revelação. O caminho de acesso à «Verdade Única» não é simples e o desenvolvimento ontogênico pode reproduzir em sucessivas etapas ou estágios os mesmos da pirâmide humana do desenvolvimento espiritual na qual poderemos distinguir cinco níveis progressivos:

1.- Base, constituída pelas populações humanas em precária situação de subsistência. Incluindo as culturas e civilizações mais primitivas.
2.- Nível de conhecimentos gerais e com alfabetização.
3.- Conhecimentos superiores. Os Eruditos. Sábios.
4.- Intuitivos e iniciados e no vértice,
5.- Iluminados.

Um maçom espanhol, retornado do exílio após a Guerra Civil, que foi S.G.C. do R.E.A.A. para a Espanha nos expôs nas oficinas esta questão da «espiritualidade maçônica» que infalivelmente levava à existência do G. ·. A. ·. D.·. U. ·. Opinava que ainda no caso da negação do mesmo persistiriam as regras, códigos maçônicos e rituais, embebidos de espiritualidade que promoveriam o progresso espiritual e a perfectibilidade do maçom. São as normas de conduta pessoal e de interrelação social que impulsionam os maçons a serem mais virtuosos e melhores cidadãos. Ele usou dois exemplos analógicos complementares, citando Fiódor Dostoiévski (1821-1881) e Cofucio (552-479 a.C.).

Em «Os Irmãos Karamásovi» pode-se ler a afirmação comportamental ética: «Se Deus não existisse tudo é permitido» Enganar, roubar, matar... Mas pode ser o homem virtuoso sem Deus? Tal pergunta recai sobre Alexei: “o que é a virtude? Eu não a concebo como os chineses. É uma coisa relativa? Responda: é ou não é?

É uma pergunta perturbadora. Posso assegurar-vos que me tirou o sono nas duas últimas noites. Não creio que se possa viver sem pensar nisso... Para Ivan não há Deus. Esta negação baseia-se numa ideia que está fora do meu alcance. Mas ele não me diz que ideia é. Deve ser um maçom. Perguntei-lhe e ele não me respondeu.
Eu gostaria de ter bebido na fonte do seu pensamento, mas ele esconde-o, cala-se.

Depois de apresentar a dúvida, expôs o pensamento confuciano referido às normas de convivência e desenvolvimento social, quase extintas na China Maoista e que persistem hoje em poucas regiões, entre as quais se destaca Taiwan. O símil é apenas isso, uma analogia e não uma identidade pois no confucianismo se aceita uma trindade constituída pelo céu, pela terra e pelo imperador. As regras básicas confucianistas são quatro:

1ª O «LI» que inclui o Código de Conduta Correcto das Relações Interpessoais, dando preferência à aprendizagem sobre a linhagem.
2ª O «JEN» que é a benevolência de «amar os homens como a si mesmo».
3ª O «HSIAO» Referido à hierarquização da sociedade com o conceito de «YIN» e «YANG» Incluindo o mesmo imperador, que é «Yin» para todos os seus súditos e «Yang» em relação ao céu e à terra
4ª O «I» Honestidade e dever, considerando o bem público antes do privado. É atribuído a Confúcio este pensamento, tão vigente atualmente entre nós como há 25 séculos entre eles! “Hoje não interessa progredir, mas ter sucesso. Não espero encontrar o homem perfeito. Eu ficaria satisfeito em encontrar um homem de princípios. Mas é difícil ter princípios nestes tempos em que o nada pretende ser algo e o vazio pretende estar cheio ”O progresso espiritual não requer se deslocar para o Himalaia para passar lá uma estadia prolongada. Não é necessário fazer uma longa viagem como a descrita por Paulo Coelho ( 1947- ) em «O Alquimista» Tornar-se como as gaivotas luminosas que Richard David Bach (1936-) descreve na obra «Juan Salvador Gaviota» requer contemplar a indefinível essência do inominado espírito, o que pode ser alcançado por introspecção numa viagem à nossa própria
“Espírito sem nome
Essência indefinível...
Eu sou sobre o abismo
O ponto que atravessa
Eu sou uma escala desconhecida que o céu une a terra
Eu sou o invisível
Anel que segura o mundo da forma
Para o mundo da ideia.»

E além disso, a Maçonaria também aceita e espalha a revelação positiva, luz inamovível, permanente que se expande de todas as suas oficinas.

Felipe LLanes Menéndez

Publicado en la revista Zenit