Entre o caos e a flor.
No final da tarde daquela cidade, o retrato mais fiel era a palavra caos. Ali, com uma caderneta nas mãos, uma caneta e alguns pensamentos soltos, a confusão do trânsito parecia querer ser protagonista do dia.
A folha em branco competia com os carros enfileirados de farol aceso, desnorteando ainda mais o rumo da história que se pretendia escrever. Para onde devemos olhar quando estamos no meio do caos?
Era assim que a mente pensava, enquanto fazia o trajeto quase automático da estação do metrô até a grande avenida. No percurso, brotada em meio ao cenário cinza e urbano, avistei uma flor que saia de uma rachadura do asfalto próximo à calçada. Chamou-me a atenção pelo colorido que dava àquele fim de tarde tão monocromático e cabisbaixo. A pequena de pétalas tinha cor: amarela como se não tivesse medo de encarar qualquer escuridão. Não tinha feição de rosa nem de gérbera: era miúda e sem nome no meio da gigante cidade.
Enquanto a multidão se movimentava freneticamente em direção aos seus próprios destinos, tão indiferentes a vida alheia, fiquei a contemplar aquela preciosidade por alguns instantes. Como se mantinha de pé? Onde se escondiam suas raízes? Eram tantas as perguntas que a folha em branco da caderneta foi ficando preenchida de interrogações. Não era possível saber quanto tempo a flor iria durar por ali antes de ser pisoteada por algum desatento. Contudo, nesse breve período, gerava puro encantamento a inegável capacidade que ela teve de florescer ao invés de sucumbir ao solo. A natureza dando um banho nas nossas noções de sabedoria quanto à vida, mostrando que sempre há de encontrar um jeito de sobreviver.
“Sem perceber que eu observava, com cuidado, pegou para si a flor e desceu as escadas do metrô, desaparecendo no meio da multidão. Sabe-se lá para qual estação ela se foi, mas foi feliz, carregada por aquele estranho desconhecido”. |
Foi nesse momento que alguém notou aquela delicadeza no chão, alheio aos passos apressados de todos. Sem perceber que eu observava, com cuidado, pegou para si a flor e desceu as escadas do metrô, desaparecendo no meio da multidão. Sabe-se lá para qual estação ela se foi, mas foi feliz, carregada por aquele estranho desconhecido.
É refrescante para a alma constatar que há outras pessoas no mundo capazes de observar os detalhes que só você imagina conseguir enxergar. Traz a constatação de que não estamos sós no mundo. Do caos nascem flores, das tragédias nascem demonstrações fabulosas de solidariedade, da morte nasce a possibilidade de um transplante aguardado e da queda da bolsa nasce noção do que é o chão e a certeza de que nada pode ser completamente calculado e controlado na vida.
Desde então, aprendi que devemos agradecer pelo caos em nossos dias – todas essas turbulências da mente e das histórias que precisamos enfrentar. Porque mesmo em um mundo caótico, se estivermos dispostos, há um canto reservado para florescermos.
Lição de uma flor sem nome que nasceu apesar do mar de concreto de uma grande cidade.
Thaís Ferreira Gattás. Entre em contato com a autora: thaisferreiragattas@gmail.com |