Docência maçônica: a controversa gestão em Lojas

Introdução

Este texto tem por objetivo ressaltar a importância da Docência na Maçonaria atual, bem como, fazer considerações relativas ao seu processo de gestão num contexto fragmentado, partindo de análise de Lojas Maçônicas [1], levando em consideração que esta segmentação não deve ser ignorada, pois faz parte de toda Fraternidade. Uma Docência maçônica Institucional [2] incisiva, dirigida e fiscalizada com rigor, é necessária para referendar as propostas Maçônicas de desenvolvimento do Maçom como um todo? A atuação direta na Docência maçônica, no seu processo de aplicação, somente será eficaz se o mesmo for aplicado de forma correta?

Considerações gerais

Uma Docência, no conceito mais conhecido e popular, é o ato de ensinar, adaptado aqui com acréscimo de um objetivo que é especificá-la diretamente à Maçonaria, tratando-a como Docência maçônica. A necessidade de uma Docência maçônica é necessária conforme consta no Programa de Docência Maçônica – Modulo Inicial – da GLMERGS:

O objetivo principal do Programa de Docência Maçônica é oferecer aos Irmãos, principalmente àqueles que estão adentrando à nossa Fraternidade, além do conhecimento da matéria ministrada nas instruções regulamentares previstas nos respectivos rituais, um aprofundamento em assuntos essenciais ao desenvolvimento maçônico, com temas necessários à sua futura jornada

(DOCÊNCIA MAÇÔNICA, 2015, p.2)

Na atualidade, em que alguns assuntos se destacam como necessidades especiais, o tema Conhecimentos se faz necessário para uma correlação com a abordagem prevista neste texto, dando ênfase a conhecimentos maçônicos, tendo como objetivo agregar coisas positivas aos contextos e circunstâncias. Na Maçonaria, também, a busca de mais conhecimentos maçônicos torna-se importante e esta prerrogativa somente se justificará se a sua aplicabilidade seja feita de maneira correta. A oportunidade desta aplicação está, diretamente, ligada a Docência maçônica específica e torna-se necessário que Conhecimentos e Docência estejam conectados, pois, de nada adiantará ter-se mais conhecimentos e não aplicá-los.

Entendendo-se esta prática como necessária na Maçonaria e sendo um dos pilares do desenvolvimento do Maçom, ajudando-o no entendimento dos objetivos da Fraternidade, procura-se, aqui, salientar como este tipo de Docência é aplicado em Lojas e recintos maçônicos oficiais. Não paira qualquer dúvida que as propostas dos ensinamentos maçônicos oficiais estão bem definidas, entretanto, a aplicabilidade desta teoria suscita uma série de questionamentos.

Quem fica responsável por esta Docência em Lojas Maçônicas? Esta oficialidade de responsabilidades se faz presente no Artigo 55 da Constituição da GLMERGS: As Lojas simbólicas são células maçônicas constituídas pelos Maçons do seu quadro, com um número mínimo de 7 (sete) Mestres Maçons, com o objetivo de realizar as reuniões litúrgico-ritualísticas, em obediência ao Rito ou Ritual que praticarem e demais determinações da Instituição. (GLMERGS – Constituição – 2019). Aceitando-se isto como uma Lei específica, que não pode ser mudada aleatoriamente, isto tem causado alguns contratempos na Docência porque é notório que pessoas têm capacidades diferentes de Gestão, inclusive no meio maçônico.

Entra em cena, a gestão da Docência maçônica: o sistema maçônico de ensinamento é composto de um processo que em cada Loja recebe o conteúdo teórico a ser ministrado, mas, deixa-se que estes ensinamentos sejam feitos pelos próprios Irmãos pertencentes ao quadro de Obreiros. Numa caracterização direta tem-se a realidade de que cada Irmão que está Iniciando [3] na Fraternidade aprende uma teoria e depois, na sua evolução de aprendizado, ensina outros Irmãos que estão Iniciando. Este processo, sem sombra de dúvida, ocasiona transtornos nos ensinamentos, pois, a responsabilidade de ensinar, algumas vezes transcorre numa realidade em que Irmãos, por não terem aprendido corretamente, ensinam procedimentos maçônicos errados, o que é passível de compreensão, mas, não de aceitação definitiva, pois a realidade mostra que interpretações são diversas sobre um mesmo assunto.

É pertinente destacar que a avaliação de Passagens de Graus (sistema particular maçônico em que se avalia teoricamente um Irmão a ser guindado a um Grau Superior) fica a critério das Lojas, sem interferência alguma da Instituição, o que traz consigo alguns problemas nos seus resultados. Este processo de avaliação, muitas vezes, torna-se ineficaz porque Irmãos responsáveis por estas aprovações, atrelados a uma amizade fraternal, não são rigorosos quanto a este quesito. Será salutar que a aprovação destas Passagens de Graus sejam fiscalizadas pela Instituição Maçônica com a consequente aprovação ou não.

Em Lojas, apenas segmentando o assunto para definir uma contextualização mais direta, não existe a possibilidade que a Instituição Maçônica envie professores, com qualidades pertinentes à Fraternidade para ensinar os Irmãos pertencentes aquele núcleo. A Instituição Maçônica define que todos os Irmãos ensinem realmente o que estão nos seus Manuais, Ritos ou Literatura Maçônica Oficial. Crer que estes ensinamentos sejam feitos exatamente de acordo com o proposto, teoricamente, pela Instituição não é salutar porque a Maçonaria é composta por seres humanos passíveis de interpretações diversas e intelectualidades de aprendizagem diferentes. É ciente que a Instituição Maçônica não dá autonomia litúrgica para as Lojas, entretanto lhes dá autonomia administrativa [4], acarretando que esta questão administrativa em Lojas subentende-se, muitas vezes, o englobamento da Docência maçônica.

Em alguns Ritos Maçônicos existe a possibilidade de se adquirir mais conhecimentos da Maçonaria, que são programas de aprendizagem mais conhecidos pelo nome de Graus Filosóficos [5], e que traz embutido um aprofundamento de temas maçônicos. Numa sugestão, considerando a otimização da aprendizagem maçônico, Irmãos pertencentes a estes Graus poderiam, também, servir como docentes em Lojas Simbólicas, entretanto, isto somente seria viável se houvesse uma exigência e coordenação Institucional maçônica. O processo de deixar a cargo de Irmãos possuidores de Graus Filosóficos o ensinamento maçônico pode acarretar diferenças positivas no contexto desta Docência, pelos seus conhecimentos aprofundados.

Destaca-se aqui uma relevante pesquisa. A CMSB fez uma pesquisa e perguntou: O que mais lhe desagrada na Maçonaria atualmente? Obteve as seguintes respostas: 37% disseram que falta de conteúdo das reuniões e 25% disseram que falta de preparo dos dirigentes (CMSB, 2020). Estas respostas, entendidas aqui, como um sintoma de que a Docência maçônica Institucional preconizada não está sendo bem gerenciada em Lojas.

Quando se faz uma relação entre Docência maçônica e os seus resultados efetivos, surge uma situação peculiar, que se não resolve o problema preconizado neste texto, entretanto, caracteriza uma situação polémica dentro da Fraternidade. Em alguns segmentos da Sociedade, pessoas recebem uma remuneração por atividades desenvolvidas, ou mesmo investem na sua formação educacional, depois revertem a situação e recebem retornos financeiros para ensinar estas aprendizagens, como exemplo, na relação professor e aluno. Na Maçonaria acontece algo diferenciado em que o candidato paga taxas e valores diversos para entrar na Entidade; paga para ser guindado a um Grau Superior; continua pagando para ensinar os Irmãos de Graus Inferiores; se quiser adquirir mais aperfeiçoamento, que irá ser aplicado no ambiente maçônico, tem que pagar por isto. Esta analogia de remunerações da Sociedade com a Maçonaria é bem administrado pelos Irmãos, pois, estando cientes disto, aceitam de livre vontade. Este poder de persuasão da Maçonaria na arregimentação de pessoas é estranhamente diferenciado: a Maçonaria, com a promessa de formar homens melhores, oportuniza-os a entrar na Fraternidade, mas, traz embutido que Irmãos deverão pagar por isto e continuar pagando se quiserem ensinar a outros Irmãos. A administração desta promessa maçônica torna-se válida, para alguns, que não se importam com cumprimento do que lhes foi dito antes de entrar na Ordem, pois, veladamente, nesta opinião particular, estão na Fraternidade apenas pagando para usar a Identidade Oficial de Maçom e nada mais.

Considerações finais

Neste entendimento de que uma Docência maçônica poderia ser aprimorada, as sugestões particulares partem do modo em que uma fiscalização Institucional desta Docência é o início para depois evoluir-se nos seus conteúdos. Esta fiscalização deve ser rigorosa, seja presencial ou de outro modo, mas, que sejam responsabilizadas as Lojas por suas atuações de ensinamentos errados. O entendimento de uma Maçonaria, bem conceituada no mundo inteiro, não pode ficar dependente de Irmãos ou Lojas que praticam ensinamentos parcialmente errados, desvirtuando totalmente o propósito maçônico. Salientar, aqui, alguns ensinamentos errados seria tentar justificar algo muito pormenorizado, pois, o desvirtuamento de aplicação do Rito ocorre em algumas Lojas e outras não. O mais pertinente, neste posicionamento, é de que deve haver uma fiscalização mais rigorosa, incisiva, de toda a Docência maçônica em Lojas. O sistema ou processo da Docência maçônica, preconizado pela Instituição traz consigo algumas incertezas quanto à sua eficácia. Nota-se, no convívio entre Irmãos, que interpretações do mesmo assunto diferem o que ocasiona muitos transtornos refletidos nos objetivos da Maçonaria.

A alternativa de uma fiscalização maior da Proposta de Docência Maçônica somente será viável pelo entendimento da Instituição Maçônica como sendo necessário, pois, admite-se que quem faz as Leis, Regulamentos e Normas, tem o direito de implementar como quiser.

Esta pretensão de dizer que a Instituição Maçônica deve se preocupar mais diretamente como está sendo gerida a Docência maçônica nas suas Lojas e recintos, passa pela intenção positiva de que a Maçonaria, como uma Instituição Universal, merece ter os seus objetivos respeitados e corretamente aplicados, pois é sua atuação como uma Entidade diferenciada que está em avaliação e não deve depender de Irmãos que não tenham a capacidade de fazer a aplicabilidade da Docência maçônica preconizada pela Instituição.

Jorge Antônio Mendes

Mestre Maçom (Instalado) – Loja "Namaste" Nº 172 – Oriente de Esteio/RS – GLMERGS. Pós-graduado em Maçonologia: História e Filosofia (UNINTER-PR) – 2018. Email: jorgemendes2017@hotmail.com

Notas

[1] Loja Maçónica é uma reunião de Maçons para uma actividade específica (DOCÊNCIA MAÇÓNICA – 2015 – p. 5).

[2] Aqui entendida como a Entidade Maçónica responsável pelas Lojas Jurisdicionadas.

[3] Na Maçonaria “seus componentes, os quais são acolhidos através de um processo iniciático” (DOCÊNCIA MAÇÓNICA – 2015 – p. 2).

[4] Autonomia administrativa: Artigo 59 (GLMERGS – CONSTITUIÇÃO – 2019)

[5] Alguns ritos possuem graus além dos Simbólicos, que são denominados de ”filosóficos”. (DOCÊNCIA MAÇÓNICA – 2015 – p.15)

Referências

CMSB – UNICMSB – Pesquisa: Desafio da Maçonaria Pós-Coronavírus – Cassiano Morais – p.68 – 2020.
DOCÊNCIA MAÇÔNICA – GLMERGS – Porto Alegre – RS –Ed. 2015.
Constituição da Grande Loja Maçônica do Estado do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, 2019.

Publicado: https://www.freemason.pt/