Depois de felizes para sempre

 

Era uma vez um final de maio com um calor fora de época que muita gente ficou sem entender. O jeito foi encontrar um banco na praça da cidade e torcer para que uma brisa generosa imitasse um ventilador - soprando frescor e algumas novas palavras.

 

No gramado, a mãe lia um conto de fadas para a filha. Os olhos da pequena brilhavam, cintilantes, a cada entonação. Era bonito de contemplar a cena a cada página virada, ela parecia descobrir um segredo Quando a história acabou, recebeu um beijo na testa e um abraço bem apertado. E meus ouvidos, sempre sedentos por diálogos urbanos, quase entraram em curto quando ela perguntou: - Mamãe, o que acontece depois desse tal de “viveram felizes para sempre?”. A moça espremeu os lábios num nervosismo compreensível. E agora, o que responder? Que linha educacional poderia salvá-la para explicar sem traumatizar nem romancear? Quem poderia socorrê-la daquela criança de quatro anos de idade que questionava sobre o que ela também nunca entendeu direito?

 

É, o resto da história não contam para nós. Nenhum doido ou sant0 nos prepara para o que vem depois da curva do capítulo final de um belo conto de fadas. Ficamos bolando na fantasia do reino do para sempre. E antes que alguém levante o dedo, encaremos: a culpa não é de ninguém. O problema é que, desde sempre, somos induzidos a caminhar sobre uma linha imaginária que nos leva de um acontecimento a outro sem espaço para grandes questionamentos.

 

É hora de acordar; de escovar os dentes, de decidir o que você  vai ser quando crescer. Seja no filme de sucesso, na novela da televisão ou no livro mais bem vendido -  tudo acaba na vitória, no beijo de amor verdadeiro, na festa de casamento e no nascimento do filho. Ninguém conta os perrengues nem os bastidores depois do sim muito menos os dilemas desse tal de felizes para sempre que vivemos a esperar. E depois que  cara finalmente passa no concurso público? E quando aquele seu ente querido se cura da doença delicada?

 

Afinal, o que acontece depois que os seus sonhos mais lacrimejantes e suados se tornam a mais cristalina realidade? Eu também queria saber, sedenta para pedir uma licença e reforçar a pergunta daquela menina. Ao invés disso, fiquei a observar aquela sensação de incompreensão ente mãe e filha. Todos nós, conectados por um sentimento tão singular.

 

Caiu a tarde e começou a esfriar. Acho que o tempo vai virar. A desculpa possível para a jovem mãe dizer que era hora de voltar para casa, tomar banho e seguir com o cronograma da vida.  Nota para a menina: depois do final feliz, talvez, precisemos aprender a escrever novas histórias. Ir além das páginas, observar o que nos cerca e as possibilidades que não tem começo nem fim. Depois do final feliz, minha querida, trate de respirar bem fundo e reinventar os dias. Para que cada novo passo dessa sua aventura ilustrada de viver tenha suas cores e a sua grande coragem de perguntar.

 

Thais Ferreira Gattás.

thaisferreiragattas@gmail.com

 

Publicado originalmente em Notícias do Dia - Plural.