Crenças e equívocos

No artigo anterior sustentei ser limitante a tendência de se interpretar os relacionamentos humanos a partir de uma base conceitual racionalista. Afirmei, também, a existência de alguns princípios da inteligência relacional que orientam nossa capacidade de entender e interferir nos relacionamentos humanos, tornando-os mais "inteligentes". Agora, quero apresentar algumas crenças equivocadas nas relações entre as pessoas.

Primeira - a crença de que as coisas (tanto os objetos como as tarefas) sejam mais importantes que as pessoas. Muitas vezes, damos mais valor a algo do que a alguém. Esta é uma queixa comum sobre alguns gestores e líderes. Pessoas que protegem mais uma tarefa, a burocracia ou um patrimônio do que as pessoas que as executam ou que os utilizam. Essa crença nos leva a dar mais importância ao sistema do que aos destinatários do sistema. Ouço constantemente de organizações que divulgam por aí que o cliente é a razão de sua existência, mas que tal ou qual pedido não pode ser atendido porque o sistema não permite. Nesse contexto há que se perguntar quem é mais importante?

Ouço constantemente de organizações que divulgam por aí que o cliente é a razão de sua existência, mas que tal ou qual pedido não pode ser atendido porque o sistema não permite.

Se cremos que as pessoas são, de fato, mais importantes que as coisas, nossas atitudes devem ser de acolhimento e consideração. Dia desses aconteceu comigo: fui a uma agência do governo, por volta das 11h30. Havia um número razoável de pessoas para serem atendidas e oito guichês funcionando. Ao meio dia, cinco guichês fecharam para o almoço e somente três continuaram atendendo. Conclusão, a demanda aumentou significativamente, a impaciência também, o atendimento piorou muito e o argumento do encarregado da área foi de que é hora do almoço. Perguntei-me: almoço de quem? Porque eu fiquei lá até às 14h. Isso não é competência relacional. 

Segunda - a crença de que o foco no processo é garantia de qualidade. Alguém já disse que o que é bom é o que supera as expectativas. Há um conceito excelente para enterdermos isso, chama-se plasticidade; ou seja, a capacidade de que tem de encontrar soluções rápidas, adequadas às demandas das pessoas. Quando enrijeço o processo, tornando-o inflexível, às vezes atendo a questão da racionalidade, mas perco a plasticidade.

Estava num voo de Brasília para São Paulo, assentado numa poltrona comum, sem ser aquelas denominadas "conforto". De repente, a meu lado, sentou-se um senhor muito grande, não só em termos de altura, mas como de largura e peso. Logo atrás de nós haviam três poltronas vazias do chamado espaço mais conforto. Visivelmente desconfortável e ocupando um espaço que lhe era inadequado, tentou falar com a comissária de bordo sobre a possibilidade de utilizá-la. A resposta foi automática: o senhor deveria ter comprado esse serviço no check-in ou pela internet. Agora não será possível utilizar tais poltronas. Aí eu entrei na conversa e perguntei: ele pode pagar agora? Resposta: o sistema não permite. Moral da história: viajamos desconfortáveis, com poltronas vazias, disponíveis, e um sistema inflexível. Ficamos todos com aquela sensação de que alguém está fazendo alguém de idiota; e o que é pior, muitas vezes não se tem alternativa porque o bom-senso deixou de existir em nome do sistema.

As pessoas aprendem a ser reativas porque construímos relações excessivamente controladas em que não há espaço para o desenvolvimento do senso de responsabilidade. 

Terceira - a crença de que as pessoas são reativas e que só produzem sob controle e supervisão. As pessoas aprendem a ser reativas porque construímos relações excessivamente controladas em que não há espaço para o desenvolvimento do senso de responsabilidade. Há um princípio utilizado pela Inteligência Relacional, chamado de geo-poder (o poder em função do espaço), que afirma a inexistência de espaços vazios nos relacionamentos. Ou seja, se você não ocupa seu espaço, alguém ocupará. O que tal crença nos mostra é que a reatividade das pessoas ocorre porque julgamos que é o nosso controle que as faz fazerem as coisas. Não damos espaço para o desenvolvimento da capacidade de resposta.

* Homero Reis

Coach

Publicando originalmente no Jornal "Diário Catarinense".