Coisas entre o céu e a terra
Naquela caminhada familiar, o sol estava tão quente que ardia a sola emborrachada do tênis. Impaciente com o calor, fechou os olhos implorando por chuva. Parecia algo impossível diante daquela sensação térmica de mais de 40 graus. Para desviar o foco do sufoco, a solução foi parar de se preocupar com o suor gotejando do cotovelo e olhar para o alto depois de muito tempo fechado aqui embaixo.
O céu sem nuvens ensinava muita coisa para onde foram aquelas construções de algodão doce? Aquelas partículas de água aglomeradas sumiram depois de tanto chover Às vezes, refrescam a sede do planeta. Outras tantas, transbordam os rios e nos fazem chorar. Desabam água, casas e muitas esperanças que carregávamos no bolso. Se cairão em forma de uma chuvica besta ou uma chuvarada brava, nem a previsão do tempo consegue ter certeza. Se tivesse, seria certeza do tempo. Seja como for, ao final do dia, é a gente que determina como isso tudo cai em cima de nossas cabeças.
Com o tempo feio, os nossos dias se encobrem de incertezas.
A gente não sabe se o casaco vai dar conta. Se vamos lembrar de levar o guarda-chuva Se a vontade de sair da cama vai passar. Se o nível da água vai baixar. Se os objetos da nossa vida vão sobreviver a mais uma enchente. Nem se os pensamentos vão clarear. Ou se as dúvidas que nos afligem vão trazer algum raio de sol que aponte uma luz no fim do túnel.
Dizem que nada cai do céu. Mas nessas horas, alguns anjos parecem dispensar das nuvens acinzentadas. Pessoas que chegam nas histórias para ajudar. Gente que abre a garagem, a casa e o coração para acolher quem quase foi embora na enxurrada imperativa a chuva. Às vezes, o excesso de águas desperta em abundância os melhores sentimentos. E, cá entre nós, depois que o céu molha boa parte dos nossos sonhos, é bom ter gente assim por perto.
Engraçado como a vida é: para que exista um céu aberto lá no alto, as nuvens foram para algum outro lugar. Talvez para conceder um respiro em uma terra onde choveu demais. Ou para que sintamos falta do barulho da chuva e de seus desenhos anuviados. Afinal, assim como nós nos movemos por sensações que não compreendemos, o mesmo pode acontecer com elas.
O pensamento daquele moço chegou e passou muito mais rápido do que a construção dessas palavras. Virou crônica porque há sempre algo a escrever sobre o que se passa entre o céu e a terra. De repente, ele parou de reclamar do sol para apreciá-lo. Num piscar de olhos, ele parou de desejar o que não acontecia para enxergar o que tinha nas mãos. Reclamava do calor porque era humano. Refletiu porque estamos aqui para aprender com a chuva a enxergar um céu aberto dentro de nós.
Thais Ferreira Gattás