A sombra e a Franco Maçonaria

Que sonho extraordinário teve Robert Louis Stevenson, no qual um homem perseguido por ter cometido um crime, ele ingere uma poção e sofre uma drástica mudança de personalidade que o torna irreconhecível.

Dessa forma, o Dr. Jekyll, um cientista simpático e trabalhador, acaba se transformando no violento e implacável Mr. Hyde, um personagem cuja maldade aumentou à medida que o sonho se desenrolava.

Intuímos vagamente que cada um de nós leva consigo um Dr. Jekyll e um Mr. Hyde, uma pessoa afável na vida quotidiana e outra entidade oculta e tenebrosa que permanece amordaçada a maior parte do tempo. Debaixo do disfarço de nossa consciência descansam ocultas todo tipo de emoções e condutas negativas como a raiva, os ciúmes, a vergonha, a mentira, o ressentimento, o orgulho, as tendências assassinas e suicidas e outras degradações que se desenvolvem em um território insociável e inexplorado para a maioria de nós.

Na antiguidade os pensadores já haviam dado conta desta face oculta em duplicidade do ser humano e por esta razão no frontispício do templo de Apolo em Delfos, os sacerdotes esculpiram um preceito que na atualidade não perdem vigência: “Conhece-te a ti mesmo”, a demanda com que os sacerdotes sugeriam com muita convicção, a busca do conhecimento integral do si mesmo, em outras palavras “conhece especialmente teu lado escuro”.

No entanto, nossa tendência é ignorar aquilo que perturba nossa personalidade. No apogeu de Delfos existia uma compreensão que reconhecia, e por que não dizer, respeitava o lado escuro da vida, consideremos os bacanais e orgias, celebrações que uma vez ao ano com a presença de Dionísio, deus dos excessos, relacionavam fortemente as relações existentes com o demônio e o lado mais escuro das pessoas.

Conta uma lenda que Alexandre Magno teria um belo cavalo, Bucéfalo, que só ele era capaz de montar. Como chegou Bucéfalo a mãos de Alexandre? Este estava para a venda, os nobres que desejavam comprá-lo, encarregavam a seus jinetes que o montassem, sem, no entanto todos, a pesar dos esforços, logravam só se manter poucos segundos sobre a garupa. O animal de criação sempre colocava por terra o jinete. Alexandre o observou com atenção e descobriu o segredo do cavalo, ele em pessoa o montou. No momento de fazer, dirigiu a cabeça em direção ao sol e o estimulou com decisão. Depois controlou os movimentos do cavalo sem tirá-lo da direção ao sol, até que o animal, cansado, se deixou dominar completamente.
Qual era este segredo que só Alexandre havia descoberto? Que o animal se assustava de sua própria sombra. Se não a via, se se lhe dirigia a cabeça até o sol, o animal esquecia seus temores.

Uma linda lenda que reflexa que no mundo atual muitos vivem assustados com a sombra de seu próprio eu.

A sombra

Chamamos sombra (na acepção que dá a palavra C. G. Jung) à soma de todas as facetas da realidade que o indivíduo não reconhece ou quer reconhecer em si e que, por consequente, descarta. A sombra é o maior inimigo do ser humano: a tem e não sabe que a tem, nem a conhece. A sombra faz que todos os propósitos e os afazeres do ser humano o reportem, em última instância, o contrário do que ele perseguia.

O ser humano projeta todas as manifestações que saem de sua sombra porque tem medo de encontrar em si mesmo a verdadeira fonte de toda desgraça. Tudo o que o ser humano rechaça passa a sua sombra, que é a soma de tudo o que ele não quer. A negativa a afrontar e assumir uma parte da realidade não conduz ao êxito desejado, pelo contrário, o ser humano tem que se ocupar muito especialmente dos aspectos da realidade que tem rechaçado. Isto faz somente suceder através da projeção, já quando um rechaça em seu interior um princípio determinado, cada vez que o encontre no mundo exterior desencadeará nele uma reação de angústia e repúdio.

Como se tem dito, a sombra é parte fundamenta de cada um de nós, nela se encontra a energia necessária para afrontar a mudança e a reestruturação, fenômenos constantes na vida do ser humano. O homem tem aceito sua sombra se pretende desenvolver-se, de outra maneira esta o consumirá.

Esta sombra, por outro lado, é indestrutível e toda poderosa, em algum momento, se não a aceitamos se manifestará de maneira demonizada, é inerente ao ser humano, negá-la não só não ajuda se não que obstaculiza o desenvolvimento normal da pessoa. É obrigatório se responsabilizar por ela, reconhecê-la e aceitá-la.

Encontrando-se com a sombra na Franco Maçonaria tudo o que se rechaça em uma pessoa é algo que não aceitamos em nós mesmos. Todos os sentimentos de ódio, rechaço, aversão que nos possa produzir alguém tem que ver com algo de nós mesmos, que projetamos nos demais e que não estamos na condição de aceitar.

Os antagonismos externos experimentados pelo homem em sua vida social, não seriam mais que a manifestação de antagonismos internos ainda sem resolver.

A cura descansará por isto, como o faz a Maçonaria, em apostar de maneira constante pela moralidade.

A Franco Maçonaria nos apresenta muitas oportunidades para trabalhar com algum aspecto cego de nossa personalidade, e resulta que a melhor forma de contatar esta parte nossa que os demais veem mais que nós desconhecemos é analisado o que projetamos até fora em forma de pensamentos, sentimentos adversos, negativos tais como: a maldade, o egoísmos, a inveja, a ânsia de domínio, de poder a avidez pelo dinheiro, os ciúmes, a avareza, a preguiça, presunção, indolência, negligência, a manipulação, a covardia e muitos de nossos medos os quais se constituem em emoções e sentimentos que não resulta fácil reconhecer como componentes de nossa própria personalidade.

Como podemos descobri-la, então? Há alguns indícios que é bom revisar para nos dar conta deste aspecto escuro de nossas vidas, entendendo que se escavamos o suficiente como um processo de experimentação, no profundo da sombra podemos dar-nos conta de sua existência.
Sentimentos exagerados respeito dos demais, retroalimentação negativa de quem nos servem de espelho, na ações impulsivas ou inadvertidas, naquelas situações nas que nos sentimos humilhados, nos enfados desproporcionados pelos erros cometidos pelos demais. Também podemos reconhecer a irrupção inesperada da sombra quando nos sentimos sobrecarregados pela vergonha ou a cólera ou quando descobrimos que nossa conduta está fora de lugar.

O ser humano se debate no conflito entre quem somos e quem queremos ser. O piso de mosaico com um eixo da experiência humana nos mostra a vida e a morte, o bem e o mal, a esperança e a resignação, tribulações que convivem e exercem influência direta em todas as circunstâncias de nossas vidas.

O iniciado que tem compreendido os ensinamentos da câmara de reflexões terá o conhecimento para ir ao lado escuro e por luz nesse lúgubre lugar em que não fantasia sobre a luz se não faz consciente a escuridão.

Sabemos que diante os pensamentos negativos não podemos fugir facilmente, porque são parte de nós mesmos. Fugir da sombra, qual avestruz, fortalece seu poder, a negação da mesma aumentará a dor, resignação e remorsos, a Franco Maçonaria nos pede que retifiquemos para este lado escuro não passe a comandar nossas decisões. O lado escuro não deverá guiar nossos passos com maus hábitos. Condutas indesejáveis.

Um iniciado se dá conta que a única forma de se liberar de condutas potencialmente prejudiciais é aceitar esta dualidade. Se não somos capazes de reconhecer tudo o que somos, incluída a sombra que está em todas as partes perderemos a integridade. A prova de onipresença está em todos os aspectos de nossa vida, vê-la em nossas condutas e senti-la em nossas relações com os outros. O iniciado não tem medo ao que pode encontrar se olha para dentro de seu interior, não esconde a cabeça debaixo da asa e não se nega a se enfrentar o lado escuro. Nunca sentirá vergonha do que possa ver na caixa de Pandora que leva suspeitosos segredos. Seu triunfo será o ser um homem livre e bons costumes. Longe de ser aterrador, aceitar nossa sombra nos permite nos realizar, sermos plenamente, recuperar nosso controle, desencadear nossa paixão e materializar nossos sonhos.

Quando falamos com uma ira desproporcionada, ganha a sombra. Quando enganamos a nossos entes queridos, ganha a sombra. Quando nos negamos a aceitar nossa verdadeira natureza, ganha a sombra. É necessário por a luz, que não é mais que sabedoria, a todos os impulsos irracionais de nosso proceder para vencer este combate que é parte do ser humano e que sempre nos acompanhará.

A sombra ganha quando consegue nos sabotar e não sabemos reconhecê-la para aceitar que existe.

A presença deste “antagonista” e das batalhas que lidamos nos ajuda no descobrimento de nossa verdadeira grandeza. A sombra não é um problema que devemos resolver, nem um inimigo ao que devemos conquistar, se não um campo fértil para cultivar.

Quando martelamos em nossa ser interior, se o fazemos bem, descobriremos a riqueza e as potencialidades e o que realmente desejamos ser.

Um Franco Maçom sempre irá em busca de sua própria sombra que se oculta envergonhada nos cantos escuros e corredores da consciência no caminho que se empreende na Maçonaria, a busca lhe dá sentido à vida, contra as ideias falsas segundo as quais só na religiões dominantes e prevalentes o homem pode encontrar o sentido da vida, quando verdadeiramente o sentido da vida o encontrará o ser humano buscando-o no interior de si mesmo como aquela velha invocação alquímica que os Franco Maçons recolhemos durante o ato de iniciação ao grau de Aprendiz: “Visita interior terras recificatur invenies ocultam lapidum”, visita o interior de ti mesmo que retificando encontrarás o caminho que andas buscando.

Um iniciado compreende através dos ensinamentos e do uso das ferramentas simbólicas, que as virtudes, a coragem, o autocontrole e a justiça, que são principalmente as virtudes da mente e da vontade, são as virtudes de base do caminhar do Maçom em seu peregrinar pela vida.

A Ordem escolhe homens e, lhes mostra as possibilidades ao homem que recebeu a Luz Maçônica, pode alcançar mediante o estudo, entendendo que a virtude é um hábito que se adquire através da prática e a existência das regras da Arte Real que devem se conhecer, assimilar-se e exercitar-se dentro e fora do Templo.

Retificar é o primeiro passo para abandonar o vocabulário de luta com nossas particularidades, o que faremos é deixar de alimentar ao lado escuro de nossa natureza humana que se alimentar do conflito. A visão de um iniciado é nunca renunciar a chegar a ver a supremacia da bondade da natureza humana sobre o mal.

Ao Maçom não se demanda que se encontre a si mesmo, se não que deve construir-se a si mesmo, deve empreender esta tarefa enfrentando-se valorosamente com sua sombra e descender às profundidades escuras de seu espírito sem medo à escuridão, que será finalmente sua autêntica salvação, seus modelos serão todos os heróis místicos que terão que lutar contra monstros, dragões e demônios e até contra o mesmo inferno, para ser salvos e salvadores.

O Maçom nunca perde o interesse para construir o melhor mundo possível desde uma perspectiva pragmática com as ferramentas de que dispõe, levando a uma última fase construtiva ao voo do potencial humano que concede um sentido de admiração à ação humana, como é o da moralidade.

Conhecer-se, aceitar-se e superar-se, está aí o grande segredo de Alexandre Magno. Conheceu as qualidades e também os defeitos daquele magnífico cavalo. Aceitou-o assim como era, e levou-o a superar seus medos fazendo que não olhasse mais a sombra do que era. Há que olhar sempre o que podemos chegar a ser graças ao esforço, a paciência e a constância.

Hoje não nos ficam dúvidas de que com aquele magnífico cabalo Alexandre Magno ganhou muitas batalhas e conquistou um império. Não podemos do mesmo modo conquistar-nos a nós mesmos e chegar a dominar nosso próprio império interior para viver uma vida mais autêntica, mas de frente com a verdade do que somos? Tudo é questão de deixar para atrás as sombras e buscar sempre a verdade.

Saúde, Força e União.


 

 

 

Professor Biologia, Programador e Analista de Sistemas.
Membro da R.·. L.·. “Luz y Verdad” N° 175 y R:.L:. “Antofagasta” Nº 227.
Grande Loja de Chile

Bibliografía:
La sombra colectiva - Deepak Chopra
Encuentro con la sombra Connie Zweig y Jeremiah Abrams
La enfermedad como camino - THORWALD DETHLEFSEN y RÜDIGER DAHLKE

Fonte: Retales de masonería – No 140 –Febrero 2023
Tradução livre feita por: Juarez de Oliveira Castro