A Mão e a Luva

 

A mão e a luva é o título de um dos romances de Machado de Assis. Uma história de um avassalador amor Outra luva foi motivo de paixão. Mas nos ladrilhos esperançosos dos hospitais. A Medicina também é poesia Há dois anos, fui a Baltimore, USA, onde visitei Johns Hopkins, o templo sagrado da arte de curar. Foi lá onde se realizou a primeira cirurgia cardíaca no mundo. Por aqueles corredores solenes transitaram os monstros sagrados de avassaladora história de Medicina. Ao ver um doente, parecia que, por trás, estava o fantástico William Osler. Em 1889, o cirurgião William Stewart Halsted, contemplava absorto o grande hospital.

 

Halsted foi um menino rico e feliz. Pai empresário rico, deu ao filho uma vida de conforto e segurança. Formado em Nova York, o jovem cirurgião foi estagiar nos grande centros da Europa. Em Viena, estudou embriologia, anatomia, patologia e o que mais apreciava, a clínica cirúrgica. Mas num congresso em Heidelberg, viu a sua profissão desabar. Aprendeu os efeitos anestésicos da cocaína. Foi um desastre. Para provar sua eficiência injetou a droga em si mesmo. Aí viciado não tem mais retorno. Perdeu seu emprego em Nova York. Era louco por cirurgia. Tratou-se com altos e baixos. Até que venceu a tragédia que apagava os seus mais belos sonhos.

 

Foi contratado pelo Johns Hopkins e se encantou com os olhos maviosos de sua instrumentadora, a bela Caroline Hampton. Mas um dia sentiu um travo de tristeza, no olhar de sua amada. Aqueles olhos velados de dor e de desespero. Foi quando a bela enfermeira disse que não tinha condições de ser auxiliar. Halsted seguia as normas ditadas por Lister, para evitar infecção. Todos que participavam do ato cirúrgico embebiam a mão em formol. As mãos deformadas com o uso da substância caústica. Halsted não poderia perder uma auxiliar tão preciosa. E seu coração não suportaria ver o sofrimento da amada. Queria salvar o amor, pois terminava salvando tantas vidas. Foi a companhia de borracha de Goodyear de Nova York, onde mandou confeccionar um par de luvas de borracha. Caroline voltou a sorrir.

 

O cientista alemão Bernard Kröning mostrou que o uso de substâncias anti-sépticas na lavagem da pele não livrava a presença dos germens. O uso de luvas tornou-se obrigatório em todo ato cirúrgico. Com o seu sonho vigoroso de servir, salvou a sua profissão, salvou o trabalho da namorada apaixonada e deu à Medicina uma valiosa contribuição científica. As luvas do amor, serviram de amor a vida.

 

José Maria Bonfim de Morais

Médico cardiologista

 

Publicado originalmente em “Diário do Nordeste - Opinião”