A Leitura do Livro da Lei.
“O espírito da verdade vos ensinará toda a verdade”. (Jo, 16,13).
Observo o Guarda da Lei que se encontra diante do Livro da Lei, amparado por um pálio formado por três mestres, procedendo à leitura dos versículos 6-9 do Prólogo de Evangelho de São João.
Lembro-me que no Rito que veio da Escócia a abertura mística da Loja efetiva-se com a leitura dos versículos 1-5 do Prólogo de Evangelho de São João, que relatam o mito da criação do cosmo.
“No princípio: o Logo, o Logo está voltado para Deus, o Logo é Deus. No princípio, ele está com Deus. Todas as coisas foram feitas por meio dele; sem ele: nada. Ele é a vida de todo o ser, a vida é a luz dos homens. E a luz brilha nas trevas, mas as trevas não conseguem alcançá-la.” – A presença transcendental.
A fala de São João é esotérica. Logo, necessita-se de uma hermenêutica para o entendimento da mensagem oculta. E assim, para a correta interpretação do prólogo é bom se dá conta de que São João olha para o Gênese no instante da criação do mundo. João apresenta o Deus único na sua tríplice manifestação. Deus o incriado - o Pai; o Logos voltado para Deus - o Filho; o Vento de Deus pairando sobre as águas - o Espírito Santo.
No Rito praticado pela nossa Loja, os primeiros versículos são representados nos cerimoniais do perfume e do fogo eterno. Talvez seja esta a razão da leitura seja a partir do versículo 6.
“Aparece um homem enviado por Deus, Iohanan é o seu nome. Veio como testemunha para dar testemunho da luz, a fim de que todos adiram a ela com ele. Ele não é a luz, mas a testemunha da luz. O Logos é a luz verdadeira que ilumina todo o homem.” – A presença imanente. (*)
Lembro-me que o estilo de evangelizar de São João se caracteriza pelo uso de uma escrita que vai e volta ao transcendente, como uma onda do mar. Entre idas e vindas, embaixo, encontramos testemunhos humanos. Nos versículos 6-9 é o testemunho de João Batista.
6 - Aparece um homem enviado por Deus, Iohanan é o seu nome.
Iohanan aparece-nos como o arquétipo do enviado e do testemunho. Seu nome significa “aquele a quem Deus agracia.” Deus o agracia com a missão de servir como o testemunho da presença do Filho.
7 - Veio como testemunha para dar testemunho da luz, a fim de que todos adiram a ela com ele.
A missão de Iohanan é “dar testemunho com todo o seu ser, certificar com seu corpo, sua afetividade, sua inteligência que a luz existe, a fim de que os outros possam assim crer nisso, experimentá-lo com ele”. Muitos outros versículos do evangelho que tratam de Iohanan mostram que “ele vive da luz para a qual está voltado” - semelhante ao Logos que está voltado para Deus - e “nesse movimento de adesão ou aderência, ele leva os outros a crer, a participar nisso com ele”.
8 - Ele não é a luz, mas a testemunha da luz.
A relação entre Ieschua (Jesus) e Iohanan (João, o batista) pode ser comparada como a existente entre o sol (fonte de luz) e a lua (refletora da luz). Assim este versículo pode ser interpretado como uma advertência de não tomarmos o reflexo pela luz. É impossível esquecer a poesia contida nas palavras do padre Leloup: “Iohanan não é a luz. Mas transporta o dia. Seu rosto está impregnado de sol”.
9 - O Logos é a luz verdadeira que ilumina todo o homem.
O Logos é a palavra estruturante que ilumina todos os homens, cristãos ou não. Todos os homens. Portanto, todo homem é habitado pelo Logos, queira ou não.
São João revelará, mais tarde, que o nome do Logos que se fez carne é Jesus – pois é aquele que ilumina os cegos, ressuscita os mortos, dá pelo seu Espírito uma nova vida.
Ilumina os cegos no sentido literal, mas também no sentido oculto – para o entendimento daqueles que ‘têm olhos, mas não vêem; tem ouvidos, mas não escutam’.
Ressuscita os mortos no sentido oculto significa que Jesus mostra o caminho para aqueles que se encontravam voltados para uma vida existencial e passageira, e com Ele vê que o importante é estar voltado para uma vida essencial e eterna.
(*) O texto de referência está escrito em grego antigo, assim é natural a existência de várias versões (interpretações). Prefiro ouvir a versão do padre Leloup escrita em francês, e traduzida deste para a língua portuguesa por Guilherme João de Freitas Teixeira.
Fonte: https://hiranmelo.blogspot.com.br/