A Hipocrisia está em nós
“O que a gente faz/É por debaixo dos pano/Pra ninguém saber/É por debaixo dos pano/Se eu ganho mais/É por debaixo dos pano/Ou se vou perder/É por debaixo dos pano..”
A letra de Cecéu, da dupla com Antonio de Barros, mostra que a hipocrisia é em certa medida necessária, porque a vida em sociedade se tornaria impossível sob a ética da sinceridade. Imagine-se dizendo tudo o que sente publicamente, certamente causaria mal-estar em muitas pessoas, as quais, movidas pelo autoengano sobre suas qualidades, não suportariam ouvir a verdade.
“A hipocrisia é uma homenagem que o vício presta à virtude”, disse La Rochefoucauld.
O que era para existir em doses homeopáticas passou a ser regra social, ditando as relações humanas em geral, especialmente nos espaços públicos.
“Você deve acreditar no que eu digo”, diz o verso de Ed Wilson, imortalizado na voz de Gal Costa e do grupo Roupa Nova, o que é muito difícil nos dias atuais.
Claro que a vida é um teatro e nós somos os atores, cada um representando o seu papel. Mas a vida real não é brincadeira e diversão ao ponto de o fingimento ser aceito como a norma geral de conduta.
Uma certa associação, comandada por um sujeito acostumado às sombras, enrolado até o talo com empreiteiras condenadas, clama por bom senso entre parceiros e ao mesmo tempo espalha um exército de malfeitores para achincalhar a quem ele aperta mão, escarrando-lhe nas costas.
O princípio da autoridade também se esfarela na mentira e na insinceridade. Muitas vezes uma postura sensata esconde uma capitulação amedrontada. “Meu reino por um cavalo!”, gritou Ricardo III, em meio à batalha, de acordo com a obra de Shakespeare. Nada vale mais que a liberdade de não se curvar diante de nenhum esbirro dos monturos que se acumulam por aí.
Miguel Lucena é delegado da Polícia Civil do Distrito Federal e jornalista.