Desde sempre, somos movidos pela curiosidade. Há tanto tempo que não conseguimos puxar o dia certo na memória do mundo. Ainda crianças, aprendemos a cutucar, a explorar, tudo na tentativa de descobrir e entender o porquê de tudo que nos acontece.
Se dermos sorte, encontramos alguma explicação que nos conforte. Na maioria das vezes, permanecemos envolvidos num manto de muitos achismos e poucas certezas.
Foi numa manhã de sol, enquanto aguardava o chaveiro trocar a fechadura da porta de casa, que alguns pensamentos vieram à mente: ali estava alguém plenamente capaz de mudar o segredo daquele lugar, impedindo que qualquer estranho entrasse. O mais curioso de trocar a chave é que esse simples ato impede, quase num piscar de olhos, que alguém que antes era conhecido possa voltar àquele lugar. Por puro esquecimento, passaram-se alguns meses até chamar o moço para trocar a bendita do novo lar.
Enquanto isso, passado e presente conviviam harmoniosamente, como se estivessem se conhecendo e sem ideia de que um dia iriam se despedir um do outro.
A fechadura estava enferrujada – e os motivos eram desconhecidos para mim e para o chaveiro. Seria porque fazia tempo que ninguém abria aquela porta ou por causa da poluição urbana que sempre acha um caminho de entrar pela fresta da janela? Só sei que o trabalho demorou o dobro.
E que o tempo de espera fez perceber que a gente troca os móveis, pinta a parede, traz novas pessoas e histórias para o ambiente, mas é na troca da chave que a mudança acontece. Acredite, esse simples ritual é mais forte do que qualquer compra decorativa parcelada em 6 vezes no cartão e que insistimos que fará toda a diferença no ambiente. Talvez seja por isso que, até hoje, entregar a chave da cidade a alguém é uma forma de prestígio, homenagem ou puxa-saquismo. É uma forma de dizer seja bem-vindo, voe é de casa.
Enquanto isso, passado e presente conviviam harmoniosamente, como se estivessem se conhecendo e sem ideia de que um dia iriam se despedir um do outro.
- Pronto, senhora! Consegui trocar a bendita, disse ele.
Foi nesse dia que o presente se instalou de vez naquele apartamento. Era quase imperceptível a sensação, é verdade, mas estava lá. Mal sabe aquele chaveiro o bem que causou. Depois de algum tempo, alguém comentou que a casa estava diferente. Não havia nada de novo, nem um objeto moderno e reluzente sobre a mesa de centro. Mas com a troca da fechadura, algo realmente se transformou: o passado não morava mais ali.
Foi embora no instante que mudaram o segredo da casa. Quando as visitas foram embora, mentalmente indaguei, curiosa, para onde ele havia ido. E quando dei a segunda volta da chave para trancar a porta, achei uma explicação: talvez o passado tenha ido embora pelo buraco da fechadura. E descobrir isso, caros leitores, foi um presente para fechar a noite com chave de ouro.
* Thais Ferreira Gattás.
É roteirista, escritora, cronista ou tudo junto e misturado. Escreve todas às sextas-feiras para o jornal Notícias do dia e é colaboradora do jornal Psicologia em Foco. Além disso, atua como criadora de conteúdo para os mais diversos veículos de comunicação.
Entre em contato com a autora: thaisferreiragattas@gmail.com