A Ética, o Maçom e o profano de avental

Ética e moral
Para dar início a essa breve reflexão sobre a ética na Maçonaria, propomos primeiramente uma tentativa de aproximação às respostas das seguintes perguntas: o que entendemos por ética e também por moral? Ética e moral são termos sinônimos?

A palavra ética tem origem num conceito grego, ethos, o qual tem o significado de “costumes”, “estilo de vida”, etc. (Ferraz, 2014). Moral, por sua vez, apresenta a sua raiz no latim, morales, referindo-se à conduta e aos costumes.
O MiniAurélio traz a seguinte definição para o vocábulo ética:

“Estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana, do ponto de vista do bem e do mal. Conjunto de normas e princípios que norteiam a boa conduta do ser humano (Ferreira, 2004, p. 383).

O mesmo dicionário considera moral como sendo: “conjunto de regras de conduta ou hábitos julgados válidos, quer universalmente, quer para grupo ou pessoa determinada” (Ferreira, 2004, p. 563).

Assim é que, geralmente, pela proximidade, os dois termos – ética e moral – são utilizados como sinônimos, ambos se referindo às regras de conduta entendidas como obrigatórias (Ribeiro, 2008). Não obstante, no campo da Filosofia, entende-se que há diferenças entre os significados desses dois termos ora em pauta.

Para avançarmos na compreensão dos dois substantivos, vejamos o que diz Cortella (2009, p. 102). Para ele, ética é:
o que marca a fronteira da nossa convivência. […] é aquela perspectiva para olharmos os nossos princípios e os nossos valores para existirmos juntos […] é o conjunto dos seus princípios e valores que orientam a minha conduta.

Já a moral, de acordo com Cruz (2022), pode ser definida como um conjunto de regras sociais – em certo contexto e determinada sociedade – que definem e dão um norte ao comportamento e ao julgamento dos indivíduos daquela sociedade sobre o que é moralmente aceito ou não. Portanto, a moral está relacionada ao padrão cultural vigente.

Uma determinada sociedade – no seu lugar e época próprios – é que elabora essas regras que se fazem necessárias para convívio dos indivíduos em comunidade. Por outras palavras, a moral depende do momento histórico e da própria sociedade em que as regras foram postas. Assim, diz-se que a moral, em geral, faz-se de acordo com a cultura de um local em um determinado intervalo de tempo. Influenciada por alguns elementos, a religião por exemplo, a moral, normalmente, é exposta sobre preceitos e, muitas vezes, expressa como normas de proibição e permissão (Porfírio, 2023).

A ética refere-se ao modo de ser de um indivíduo, o caráter e a postura que adota frente a uma situação. A moral, que é estabelecida pela sociedade, influência na ética do indivíduo. O indivíduo pode ter um comportamento moral, já que está inserido num contexto social, mas ao mesmo tempo não ter ética, tendo em vista que as ações que definem a ética são individuais, ou seja, são escolhas particulares de cada ser humano (Cruz, 2022).

Continuando, o termo ética também pode ser entendido como um modo de conduta que é esperado das pessoas com as quais convivemos como resultado do uso de regras morais no comportamento social (Neme; Santos, 2014). A ética busca os valores que signifiquem dignidade, liberdade, autonomia e cidadania.

Tanto moral quanto ética não são inatas ao indivíduo; os dois conceitos são construídos socialmente ao longo da vida pela família, escola, relações de trabalho, de lazer, entre outras (Cruz, 2022). Assim, toda estrutura temporal e socioeconômica influencia a criação da ética e da moral e a maneira como esses conceitos chegam aos indivíduos.

Resumidamente e de forma simples, podemos estabelecer algumas diferenças entre os dois termos:
A moral prevê certo e errado; a ética prevê bem e mal;

A moral é uma conduta específica e normativa; valores éticos são princípios, frutos de reflexão sobre ações e normas de conduta;
Norma é cultural e temporal; valor é universal e atemporal;

A norma é a conduta de um determinado valor, que justifica existência da norma.

Ética e Maçonaria

A Maçonaria é uma Ordem que se pretende Universal, formada por seres humanos de todas as raças, credos e nacionalidades. A Maçonaria é também uma fraternidade. Este adjetivo – fraternidade – designa o parentesco, o amor, a harmonia, a amizade, a união ou convivência de Irmãos (Costa, 2020). Os seus membros, uma vez acolhidos por Iniciação, reúnem-se em Lojas, onde estudam e trabalham para a construção de um ser humano melhor, visando à construção de uma sociedade fraterna, mais justa e socialmente igualitária (Freemason, 2019).

Assim, o Templo Maçônico configura-se como espaço onde deve reinar a harmonia, a liberdade, a igualdade e a fraternidade entre os Irmãos. O Templo deve ser um ambiente de cultura, de estudo, de saber e de progresso moral. Deve ser, portanto, o local onde se combate a tirania, a ignorância, os preconceitos, os erros e os vícios. Ao mesmo tempo, nele é que se glorifica o direito à justiça e à verdade. É na Loja que os Irmãos se aperfeiçoam moral e espiritualmente, procurando desenvolver e lapidar o seu Templo Espiritual (Freemason, 2019).

A Maçonaria é ética na sua essência, pois proclama o princípio da equidade, ou seja, dar a cada um o que for justo, de acordo com a sua capacidade, a sua realização e mérito.

O Irmão Maçom deve ter claro o significado de ética para imprimir ao seu caminho e à vida o seu verdadeiro e justo sentido. A ação ética do Maçom deve ser lutar pela autonomia, liberdade de expressão, delegação e divisão de responsabilidades. O contribuição do Irmão é negativa quando este se afasta dos princípios da Ordem e atua visando à dominação, autoritarismo, centralização e dependência, que redunda apenas na necessidade do poder (Souza, 2016).

Nos atos de um Maçom deve estar o desejo do bem; o seu trabalho deve-se realizar através de caminhos que o conduz adiante. O verdadeiro Maçom deve sempre observar alguns milenares valores fundamentais e individuais:
ser honesto em qualquer situação;
ter coragem para assumir as decisões;
ser tolerante e flexível;
ser íntegro;
ser humilde (Sousa, 2016).

Maçonarias: a idealizada e a real

Nós, os Maçons, tratamo-nos mutuamente por Irmãos. Assim, estabelecemos que, uma vez ingressados na Ordem, as nossas relações são necessariamente fraternais. E é dessa forma que tratamos os nossos confrades quando nos encontramos socialmente, em Loja ou noutros ambientes fora dela. E até criamos sinais e toques para o mútuo reconhecimento.

Mais ainda. Via de regra, nós, os praticantes da Arte Real, quando vamos utilizar a palavra em Loja, damos início à nossa prelecção saudando o Venerável Mestre, os dois Vigilantes, as autoridades maçônicas então presentes na Sessão e, dirigindo-nos aos demais, costumamos finalizar a nossa saudação utilizando os termos “queridos e amados Irmãos”.

Estes adjetivos – queridos e amados – são clássicos, já estão cristalizados na Ordem e incorporados quase que de maneira obrigatória a nossa retórica quotidiana nos trabalhos que realizamos no interior das Oficinas. Assim, os recém iniciados os copiam automaticamente e os utilizam como se fossem termos de uso obrigatório, ou seja, como se próprios da nossa ritualística.

Não obstante ser frequente este tratamento “educado, amigável e fraternal”, cabe a cada um de nós perguntar a nós mesmos se já os incorporamos de maneira efetiva? Digo isto porque todos sabemos que o discurso é efêmero pela sua própria natureza. Sendo assim, faz-se necessário apreendê-lo efetivamente para que não seja apenas um emaranhado transitório de palavras, que acaba por se esvair rapidamente nas brumas do tempo. Para tanto, devemos iniciar por refletir se a nossa práxis individual como Maçons contempla de maneira concreta aqueles dois adjetivos que costumamos empregar em Loja.

Um pouco mais de reflexão. Na Ordem há uma máxima que é também utilizada frequentemente nas falações maçônicas. É algo mais ou menos assim: “A Maçonaria é perfeita; os problemas que nela encontramos devem-se ao fato de os Irmãos serem imperfeitos”. Eu também já a utilizei e, confesso, inúmeras vezes. Mas, quando nela penso melhor, concluo que seria mais correto dizê-la assim: “Os princípios da Maçonaria são perfeitos. A Maçonaria, no entanto, enquanto organização social, concreta e humana, não é perfeita, tendo em vista ser ela composta por seres humanos imperfeitos”. Talvez também pudéssemos complementar a frase com algo assim: “que buscam (pelo menos grande parte de nós) a perfeição”.

Outra questão. Quando da nossa Iniciação na Ordem, dizemos que morremos para a vida ou para mundo profano, recebemos a Luz, e aí então damos início a nossa longa caminhada de aperfeiçoamento, desbastando a nossa Pedra Bruta para então nos transformarmos em Pedra Polida. Esta é uma bela metáfora que diz respeito à construção e lapidação do nosso próprio ser, do nosso Templo interior, visando assim a nos transformarmos num ser humano melhor, objetivando a participação na sociedade, de modo a transformá-la num coletivo mais justo e igualitário. É fato também que esta máxima, como as outras citadas, está presente e cristalizada no nosso quotidiano maçônico.

No entanto, apesar da nossa organização ter, no mínimo, algumas centenas de anos, estão aí alguns fatos concretos para desmenti-las (as afirmações) em parte: as cisões de Lojas, as dissensões entre as Potências regionais, nacionais ou internacionais, os não reconhecimentos, os olhares enviesados para as Lojas Femininas ou Mistas, entre tantas outras ações típicas do mundo profano. 

As nossas muitas imperfeições, infelizmente, ainda se sobrepõem às nossas qualidades, em que pesem os esforços para superação das primeiras.

Estes fatos evidenciam que esta caminhada rumo à perfeição não é assim tão simples. As sendas que percorremos oferecem-nos inúmeros obstáculos a serem transpostos. E onde encontra-se a gênese desses conflitos na Ordem? Obviamente na não superação ou correção dos nossos mesquinhos hábitos mundanos. Será que na Iniciação morremos mesmo para a vida profana? 

No discurso sim, mas abandonar certos vícios incorporados há anos é, na verdade, uma tarefa hercúlea para nós simples mortais.

Graus superiores são atingidos (há inclusive os que galgam os graus máximos em vários ritos), diplomas e comendas são recebidos, medalhas reluzentes e outros adereços são colocados nos peitos estufados. Para o verdadeiro Maçom isso tudo é, apenas e tão somente, o reconhecimento pela sua dedicação à Ordem. Mas, por outro lado, na mesma Ordem há também o pseudo maçom, aquele que ostenta esses adereços como se fossem os símbolos máximos que atestam a sua conquista da perfeição. O primeiro já mudou o seu interior e ainda busca aperfeiçoá-lo ainda mais. No caso do segundo, basta um olhar um pouco mais acurado para notar que a mudança é apenas de cunho estético. Mudou-se a casca, mas o interior não amadureceu maçônicamente, ou seja, o âmago continua com a mesma textura e constituição de quando profano.

Que fazem em Loja o Irmão e o irmão, um com maiúscula e outro com minúscula? O primeiro sabe que é preciso aprender; tudo para ele é fruto saudável para o aperfeiçoamento intelectual e moral. O segundo julga-se o dono do saber maçônico. O primeiro sabe que não domina todo o riquíssimo conhecimento da Arte Real e que é preciso estudar sempre. O segundo sabe tudo, de cor, linha por linha e considera-se o guardião do conjunto das normas que regem as Oficinas. Para ele, não há mais nada a aprender. O primeiro está sempre em fase de Iniciação e o segundo é o mestre maior; todos os demais, para ele, serão sempre “meros” Aprendizes. O primeiro prioriza o “Tempo de Estudos”; já para o segundo, a prioridade é o “Copo D`Agua”.

O Maçom deve ser tolerante, ou seja, deve desenvolver e exercer a tolerância, a habilidade de conviver, com respeito e liberdade, com valores, conceitos ou situações as quais, nem sempre, concorda (Zanotta, 2022). O pseudo maçom, diferentemente do verdadeiro Irmão, não tolera opiniões divergentes, quer que o seu modo de ver e pensar prevaleça a qualquer custo. Ele está sempre certo e os demais têm que se submeter aos seus ditames.

Como são as suas respectivas práticas? O que fazem os dois quando um Irmão comete um equívoco? O primeiro estende a mão para ajudá-lo e ensiná-lo fraternalmente. O segundo, via de regra, apenas o critica. E quando um Irmão está faltando às sessões? O primeiro procura saber a razão da ausência. O segundo, em paralelo, faz críticas ao Irmão não presente. E quando há divergências de opiniões? O primeiro explicita de forma aberta, transparente, leal, sincera e educadamente a sua própria apreciação sobre determinada ação, fala ou fato que envolve outro confrade da Ordem. O segundo faz comentários reservados, “ao pé da orelha”, com alguns outros Irmãos, contribuindo assim para a amplificação das eventuais “fofocas” que surgem e cujas origens não se sabe onde estão, permanecendo assim em conveniente anonimato.

Com relação a esta prática, Oliveira (2017, p. 1) faz uma consideração merecedora de destaque:
A pedra somos nós mesmos. Mas tendemos a cinzelar a pedra alheia. Isso é demagogia se você não trabalha na sua própria pedra. Mudar de grau não é evoluir, não passando de procedimento administrativo se não foi trabalhada a lição que o traz, por mais pomposo e ornado que sejas o avental quer agora usas.

Assim, é fato que devemos considerar que na Ordem há Irmãos e também irmãos (com minúscula), os “primos” como se diz no jargão maçônico, ou seja, esses que nada mais são do que “profanos de avental” ou pseudo maçons. Nela há os que vestem e honram a principal vestimenta do “pedreiro livre”, considerando o seu pertencimento à Ordem como uma fonte constante de sapiência, de aprendizagem para a vida. Mas, infelizmente, há ainda outros que só possuem discursos elaborados, porém efêmeros; em verdade não incorporaram efetivamente nos seus procedimentos os princípios maiores da Ordem: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

A Maçonaria é, para muitos, uma escola de cognição, aperfeiçoamento moral. Para outros, apenas um ambiente para se auto-afirmarem como “superiores”, para terem inflados e lustrados os próprios egos.
Assim, posto isso, cabe-nos a singela reflexão: o que fazemos nós além de usarmos um belo avental?

Figura 4 – O que faz o Maçom além do avental que usa?

Creio que o verdadeiro Maçom está para além do avental e de outros adereços reluzentes. Devemos considerar Irmão de fato aquele que, despido das suas joias, age efetivamente como verdadeiro companheiro: do latim “cum” + “panis”, significando “aquele que junto come do mesmo pão”.
Considerações finais.

Tendo em vista estas breves ponderações, em conclusão proponho a nós todos uma breve reflexão para então respondermos a algumas questões:

O que é Maçonaria para mim? Tem ela contribuído para a lapidação de meu Templo interior?
Como pratico a Maçonaria na minha Loja? E fora dela?

Já incorporei efetivamente na minha vida profana os princípios mais nobres da Arte Real?
Como trato meus Irmãos e como trato os não maçons? Dividimos o mesmo pão fraternalmente?
Tenho um comportamento ético com meus Irmãos? E com outros com os quais convivo?
Quais são os vícios e procedimentos que ainda trago do mundo profano e que preciso vencê-los?
O que cada Irmão tem de melhor do que eu e como posso aproveitar o conhecimento deles para meu próprio aperfeiçoamento? Naquilo que acumulo mais experiência do que meus Irmãos, como posso contribuir para auxiliá-los nesse tema?

Enfim, em qual categoria me enquadro: sou Maçom ou apenas uso um avental?

Rubens Pantano Filho
M.M. – ARLS Cedros do Líbano II – GOB-SP – Valinhos/SP e Presidente da Academia Campinense Maçônica de Letras.

Referências
CORTELLA, Mário Sérgio Qual é a tua obra? Inquietações, propositivas sobre gestão, liderança e ética. Petrópolis: Vozes, 2009.

COSTA, Paulo Jorge. A Ética Na Maçonaria. 02 out. 2020. Disponível em: https://iblanchier3.blogspot.com/2010/10/a-etica-na-maconaria.html. Acesso em: 06 Ago. 2023.

CRUZ, Natália. Ética e Moral: que é e veja resumos. Disponível em: https://querobolsa.com.br/enem/filosofia/etica-e-moral. Acesso em: 06 Ago. 2023.

FERRAZ, Carlos Adriano. Elementos de Ética. Pelotas: NEPFIL, 2014. Disponível em: https://wp.ufpel.edu.br/nepfil/files/2019/02/3-etica-elementos-basicos.pdf. Acesso em: 05 Ago. 2023.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Miniaurélio: o minidicionário da língua portuguesa. 6.ª ed. Curitiba: Posigraf, 2004.

A Ética na Maçonaria. 03 jul. 2019. Disponível em: https://www.freemason.pt/a-etica-na-maconaria/. Acesso em: 06 Ago. 2023.

NEME, Carmen Maria Bueno; SANTOS, Marisa Aparecida Pereira. Ética: conceitos e fundamentos. São Paulo: Unesp, 2014.

OLIVEIRA, Bruno. Além do Avental. 02 Maio 2017. Disponível em: https://ritoserituais.com.br/2017/05/02/alem-do-avental/. Acesso em: 05 Ago. 2023.

PORFÍRIO, Francisco. Diferença entre ética e moral. Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/diferenca-entre-etica-moral.htm. Acesso em: 06 Ago. 2023.

RIBEIRO, Luciana Mello. Professores Universitários: seus valores e a opção da educação ambiental. 290 f. 2008. Tese (Doutorado em Educação). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.

SOUSA, Carlos António Porto de. Ética e Maçonaria. O Buscador. Ano I. nº. 2, p. 17-20, Campina Grande/PB, Abr./Jun. 2016.

ZANOTTA, Homero José. A Moral e a Ética na Maçonaria. 18 Set. 2022. Disponível em: https://egregora.inf.br/noticia/98/a-moral-e-a-etica-na-maconaria.html. Acesso em: 06 Ago. 2023.

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